Não, esse não é mais um texto sobre pessoas que escrevem ou sobre o prazer ou a agonia de escrever. Eu até gosto de lê-los, também de escrevê-los, mas às vezes, devo confessar, esse tema me chateia e tenho a impressão de que ”já deu, né?”. Sei lá, dá para falarmos sobre outras coisas, não é mesmo? Ou talvez desse para falar sobre o processo de escrita sem explicitar o processo, e sempre que tento fazer isso acabo caindo nos versos porque, como eu já disse num outro texto: quando não conseguimos mais escrever ensaios sobre algo passamos a fazer versos.
Várias pessoas que escrevem já disseram que escrever é um suplício, uma necessidade, por vezes até uma tortura, algo do qual não se consegue fugir quando se nasceu com esse “destino” – e por aqui paro para não correr o risco de me perder nos fios emaranhados da transcendência, como se o que estivesse nesse campo não pudesse jamais ser modificado pela força da nossa vontade, ou por nossa decisão consciente de não ir por esse caminho.
Mas eu disse que este texto não seria mais um desses que se derramam sobre o ato de escrever. O que eu quero mesmo – e aqui farei – é contar-lhes uma história que ouvi no rádio uma dessas manhãs. Vinha eu voltando para casa depois de ter resolvido umas paradas, quando ligo o rádio do carro e topo com o locutor dizendo mais ou menos o seguinte: “… o celular mudou muito isso, e hoje em dia tem gente que não sabe mesmo ou desaprendeu…”.
Até então eu não sabia sobre o que ele estava falando, só sei que decifrar e produzir mensagens usando um dado alfabeto é uma das coisas mais difíceis de se aprender na vida, mas talvez não seja tão mais difícil quanto aprender a andar ereto ou a andar de bicicleta, se bem que dizem que andar de bicicleta é algo que nunca se esquece, que apenas precisamos de um tempo para recuperar o que ficou gravado em algum lugar do cérebro. Será que a gente esquece como se escreve…?
O locutor continuou: “… e olhe que essa habilidade, ou a falta dela, pode salvar vidas, a exemplo do que aconteceu em…”. Ele contou que num lugar aí, num vilarejo muito pequeno, um homem entrou numa espécie de banco e deu ao caixa um pedaço de papel avisando que era um assalto. Como o caixa não conseguiu ler o que estava escrito no papel, o homem desistiu e saiu com raiva do local. Ninguém se assustou, ninguém morreu, a vida seguiu normalmente. Claro que uma tal fábula só acontece quando todos os personagens são brancos, porque se o homem fosse uma pessoa de pele negra já seria suspeito só de passar na porta do banco… Mundo racista da merreca!
Sim, mas talvez o destino das pessoas que estavam naquele banco, naquele dia, tivesse sido bem outro se o homem tivesse uma caligrafia legível, se o funcionário tivesse conseguido ler os garranchos, se tivesse entendido a mensagem e entrado em pânico, se tivesse reagido ou mesmo causado uma reação violenta por parte do assaltante.
Eu não pesquisei na internet para checar se isso de fato aconteceu, ou se houve mais alguma coisa registrada depois que o homem saiu do estabelecimento – talvez ofendido ou frustrado – por não ter sido entendido, ou se ele voltou mais tarde ao local com um bilhete melhor escrito.
Pode ser que, pela primeira vez na vida, ele tenha descoberto o valor da leitura e da escrita para a efetiva comunicação. Pode ser também que a pessoa que o atendeu tenha tido um ataque de negacionismo – tão comum em nossos dias – e tenha se negado a entender a realidade da mensagem: “Isto é um assalto!“. Se bem que há ocasiões na vida em que se fazer de doido é a melhor opção.
Não sei, só sei que foi assim que ouvi o causo que eu, com minha torta escrita, aqui lhes passo. Uma coisa sempre ouvi de minhas mães, as três queridas: “Minha filha, não se perde nada em aprender caligrafia“. Sei disso, mães, porque – como vimos: até para assaltar um banco escrever à mão é preciso! Claro então? Ôxe!