domingo, 1 de dezembro de 2024

Sabores e saberes em “o duque de giz”

Publicado em 22 de julho de 2021, às 15:19
Fonte: José Neres – Membro da AML e da Sobrames
Imagem: Facebook

A pandemia causada pelo Covid-19 foi recebida, enfrentada e vivida de diferentes formas por pessoas logicamente também diferentes. Houve quem desdenhasse da tragédia, quem se recolhesse, quem entrasse em estado de depressão, quem desenvolvesse sintomas de síndrome do pânico, quem se revoltasse, quem tentasse viver dentro de uma normalidade alternativa etc. etc. etc… Mas houve também quem aproveitasse o tempo disponível para ler, ouvir, músicas, assistir a filmes e séries, pesquisar, escrever, escrever e escrever.

De repente, aquela velha rotina atribulada deu sinais de cansaço. O ritmo frenético desacelerou um pouco e proporcionou a algumas pessoas a possibilidade de novas experiências, de novas formas de aprendizagens, de novas possibilidades de convivências e até mesmo de suprir ausências que antes nem mesmo eram sentidas. Isso não significa, no entanto, que as experiências de (com)viver de modo mais intenso com as artes tenha afastado definitivamente os traumas e as dores das perdas contabilizadas em números quase sempre insalubres e invisíveis. Mas é possível perceber que algumas pessoas souberam transformar os impactos da pandemia em artes capazes de tornar menos dolorosos os momentos de angústia de si mesmas e das demais pessoas.

Foi isso que fez o experiente escritor, jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras Antonio Carlos Lima, que acaba de publicar o livro O duque de giz: crônicas, artigos e reportagens (Edições AML, 2001, 148 páginas). Dono de um estilo claro, fluido e elegante, o escritor, que anteriormente já havia brindado o público com obras como “Além da Ilha” (2003), “São Luís: Azulejos e poesia” (2012) e “Sob o Sol do Equador” (2019), trouxe agora à luz alguns dos resultados de pesquisas, reflexões e memórias vividas ao longo desses tempos de pandemia e que se consolidaram em forma de textos bem escritos e bem articulados.

No livro, é possível encontrar resultados de leituras feitas durante o período pandêmico, como é o caso dos estudos sobre os livros O Padre Vieira no Maranhão (de Ronaldo Costa Fernandes), Aluísio Azevedo Sempre (de Lourival Serejo) e Escravidão I: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares (de Laurentino Gomes), entre outros. É possível fazer um breve passeio pela história do Maranhão e conhecer detalhes dos momentos finais da vida de Urbano Santos, conhecer um pouco da viagem do governador Magalhães de Almeida pelo sertão maranhense e mergulhar na passagem da Coluna Prestes pelo interior do Maranhão e o fuzilamento de dois integrantes da Coluna revoltosa na cidade de Balsas, em 1926, tudo em uma linguagem vívida e capaz de prender a atenção do leitor linha a linha dos textos.

O livro proporciona ao leitor também um contato com a obra do artista plástico Mondego; com a poesia de Oswaldino Marques; com a produção literária de Pedro Novais Lima, bastante conhecido por suas atuações na política, mas que vem se destacando também como contista; e com os ainda pouco explorados estudos sobre a “Civilização lacustre no Maranhão” e pioneirismo do etnólogo e geógrafo Maranhense Antônio Lopes.

Dividindo espaço com os aspectos informativos da obra, o leitor encontrará momentos de sublime subjetividade e de refinada artesania literária quando o autor mergulha em suas memórias pessoais e compartilha cada uma delas como se elas fossem parte integrante de uma memória coletiva. Em crônicas como “As Máscaras”, “Santaninha, 178”, “A casa derruída”, “As canções da nossa casa” e “Anotações de viagem” informações e emoções se amalgamam de tal forma que quem começa a ler os textos se sente passeando pela(s) cidade(s) e começa a se sentir parte integrante de situações que possivelmente não viveu, mas com as quais se identifica e acaba se apaixonando.

O duque de giz: crônicas, artigos e reportagens é um daqueles trabalhos artísticos que nos fazem refletir sobre o valor e o poder de textos bem escritos e nos quais o autor tempera cada parágrafo e cada palavra com condimentos fresquinhos colhidos nos campos da memória, da emoção da boa pesquisa em fontes confiáveis e com o domínio da arte da escrita.

É um livro para ser lido sem pressa, saboreando cada página como quem aprecia as mais raras iguarias literárias deste nosso século que se inicia marcado por dores, amores, odores, saberes e sabores que se multiplicam de diferentes formas, mas que podem render bons frutos.

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