sexta-feira, 23 de maio de 2025

Campanhas de fé e esperança no Instagram: corrida pela cura da Leucemia

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“Uma pequena manchinha na pele”.

Foi assim que Kellen Rayane Silva Cruz Carvalho descobriu em julho de 2022 que a filha Elisa Carvalho Cruz, de 1 ano e 4 meses, tinha Leucemia (câncer dos glóbulos brancos). Na época, a mãe de Elisa observou que surgiu uma manchinha na pele, que a princípio parecia uma picada de inseto mas, uma semana depois, aparentava ter um aspecto roxeado e endurecido. Na segunda semana, Kellen notou que eclodiu uma íngua (gânglios linfáticos, que são responsáveis pela defesa do organismo) na virilha da criança. Diante do ocorrido, a mãe decidiu consultar uma pediatra. “A doutora Fabrícia Sarmento passou uma bateria de exames de rotina, dentre eles, o hemograma. Embora quatro meses antes, tivéssemos feito um check-up e os resultados aparentavam que Elisa estava saudável”, narra.

Após a consulta, Elisa foi submetida a novos exames, incluindo o parasitológico de fezes. No mesmo dia, Kellen foi informada que a filha tinha algumas alterações nos leucócitos e plaquetas. Diante dos resultados, a mãe de Elisa entrou em contato com a doutora Fabrícia, que verificou os dados. “A doutora nos encaminhou ao Hospital São Rafael e a Elisa foi internada por volta do meio-dia para investigação. Os médicos suspeitavam que minha filha podia estar com leucemia”.

Kellen relata que Elisa era uma criança muito saudável e para ela o impacto do diagnóstico foi devastador e difícil de aceitar em virtude dos cuidados que ela dedicava à filha. “Eu procurei sempre o caminho mais correto possível no sentido de aleitamento materno exclusivo, introdução alimentar adequada, para que no futuro ela colhesse os resultados de uma saúde plena. Esse era meu objetivo. Ela sempre esteve acima da média na curva de crescimento, nunca tinha sido internada, nunca tomou antibióticos. Teve o acompanhamento mensal no pediatra até um ano de idade, fez o checkup e estava tudo bem”.

Antes da descoberta da doença, Kellen era proprietária de uma loja de roupas, mas fechou por não estar conseguindo conciliar o empreendimento com o tratamento da filha. “Em dezembro eu fechei [a loja] porque era inviável eu continuar trabalhando por ser muito desgastante psicologicamente e também não estava compensando. Minha cabeça só pensava no cuidado com a Elisa”.

Para arcar com as despesas na cidade de Barretos em São Paulo, onde a família foi buscar o tratamento, o esposo de Kellen, Gustavo Carvalho de Sousa, trabalhava como administrador no formato home office, prestando serviço para um supermercado em que já era funcionário antes da descoberta da leucemia. “O custo de vida em Barretos é muito alto, embora a gente receba um auxílio do Tratamento Fora de Domicílio (TFD), não dá pra contar com isso porque o pagamento é muito atrasado ou então incompleto e é preciso ficar no pé solicitando o reembolso do restante. E para complementar a renda, a minha família enviava mensalmente uma quantia financeira”, acrescenta Kellen.

O início do Calvário

Diante do susto pela confirmação ou negação do diagnóstico de câncer, Kellen conta que seus pensamentos foram invadidos pela angústia e pelo medo, embora tivesse esperança de que a filha estivesse completamente saudável. Todavia, a esperança se tornou um pesadelo em poucos dias. Elisa foi diagnosticada com Leucemia Mieloide Aguda (LMA), um tipo raro de câncer em crianças e o mais agressivo. “Essa notícia parecia um pesadelo, abalou toda a família. Jamais esperávamos algo assim. Elisa sempre foi um bebê muito saudável. Sentimos medo pois era algo desconhecido”, Lamenta Kellen.

A lojista do ramo de confecções descreve que ela e o esposo se sentiram impotentes diante da situação. Não sabiam como seriam os próximos passos para o tratamento e a cura da doença. Esses passos se tornaram um verdadeiro calvário. Em uma semana, Elisa perdeu quatro quilos. Mal conseguia comer ou dormir. Mesmo com tamanho sofrimento, Kellen decidiu manter a fé, o amor e a esperança. “Pedi a Deus que tivesse misericórdia da minha filha. Quando orei, o meu corpo teve descanso, mas a minha alma permanecia abalada. Foi quando uma amiga me ligou e falou sobre o Hospital do Amor de Barretos e então resolvemos solicitar o encaminhamento da minha filha à unidade de saúde. No entanto, o hospital pediu um prazo para analisar e dar a resposta. Confesso que essa espera pareceu uma eternidade”.

Kellen relembra que ela e o esposo ficaram tão arrasados que não tiveram condições de chegar em Barretos sozinhos e precisaram da ajuda da irmã de Gustavo para os acompanhar. “Largamos tudo, literalmente, sem olhar para trás, em busca de um tratamento melhor pra nossa filha. Viemos por conta própria, não fomos transferidos, porque tem o tratamento inicial em Imperatriz. Fui em casa nesse período apenas fazer as malas. Meu marido renunciou ao emprego que tinha na época. Em uma situação assim, nada mais importa, só a vida da nossa filha. Depois de um tempo é que a gente consegue pensar nas pendências que ficam em aberto”.

Elisa e os pais chegaram em Barretos no dia 6 de setembro de 2022. Imediatamente, a menina foi internada e os médicos fizeram uma nova coleta sanguínea para investigação, pois no Hospital do Amor não aceitam exames de outra cidade. No dia seguinte o diagnóstico foi confirmado: Leucemia Mieloide Aguda.

O hospital permitia apenas um acompanhante e, por isso, Gustavo, pai de Elisa, não podia permanecer no local. A quimioterapia iniciou no dia 7 de setembro e Kellen estava apavorada. Elisa estava muito irritada e impaciente com aquela mudança tão repentina. “Ela fez dez dias seguidos de quimio, vomitou duas vezes, ficou ruim pra comer, porém, foi mais tranquilo do que eu esperava. Só que a imunidade começou a baixar até zerar. Era um período crítico por ser suscetível a infecção. Apesar disso, Elisa teve uma febre controlada, nada de infecção, tudo dentro do esperado”, detalha.

Tudo estava ocorrendo dentro da normalidade até o final do primeiro ciclo de quimioterapia, quando a menina precisou ser submetida a um procedimento no centro cirúrgico. Houve um problema no cateter e era necessário substituí-lo. Kellen estava esgotada fisicamente, então foi para a pousada descansar e pediu que o esposo fosse receber Elisa quando o procedimento acabasse.

Ela estava descansando quando Gustavo ligou avisando que a filha teve uma intercorrência e seria levada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Quando o procedimento acabou e retiraram a sedação, a Elisa teve um broncoespasmo, ou seja, o pulmão fechou, medicaram e o pulmão abriu. O problema é que isso ocorreu quatro vezes seguidas. Mesmo medicada, a equipe médica classificou isso como muito grave. Disseram que estavam tentando estabilizá-la e que ela ficaria em observação intubada”.

Apesar do desespero, Kellen não podia comentar nada com a família, pois a irmã dela estava em trabalho de parto naquele momento. “A médica informou que a minha filha seria transferida para a UTI mas não sabia o motivo, a desconfiança era de hemorragia interna ou suspeita de alguma bactéria, visto que a Eliza estava sem imunidade. Já haviam realizado os exames de Raio-X e ultrassom, mas nenhum sangramento foi observado. Ela estava com dois medicamentos para manter a pressão e fomos alertados de que ela estava estabilizada, mas as próximas vinte e quatro horas seriam críticas”.

Durante esse período de observação, os médicos conseguiram diminuir a medicação da pressão, mas, em um certo ponto, parava de surtir efeito. No terceiro dia, Elisa demonstrava sinais de querer respirar sem o uso da ventilação mecânica.

Contudo, a equipe do hospital decidiu aumentar a sedação e mantê-la entubada. Nesse mesmo dia, ela foi extubada e teve a noradrenalina (hormônio do sistema nervoso) reduzida pela metade. No dia seguinte, estava respirando sem o aparelho de oxigênio e sem nenhum medicamento para pressão.

Depois de 48h, Elisa foi transferida para o quarto. O médico que a atendeu na UTI assegurou que ela teve uma resposta rápida. E a médica do centro cirúrgico parabenizou pela recuperação, afirmando que aquela intercorrência foi um susto para toda a equipe. Dessa forma, a hipótese de hemorragia interna foi descartada e não se sabe ao certo o que aconteceu. Por essa razão, Kellen relata que durante essa emergência manteve sua fé e percebeu o cuidado de Deus.

Após enfrentar esse período turbulento na UTI, a mãe conta que Elisa ficou muito bem. No outro dia realizou um exame de medula que não apontou nenhuma anormalidade. E, ao longo do segundo ciclo de quimioterapia, a menina não apresentou enjoos e permanecia alegre, brincando e sempre muito esperta.

De acordo com as informações que recebeu no hospital, Kellen relata que a medicina ainda não conseguiu identificar a causa da leucemia infantil. Existem casos que ocorrem por alteração genética, isto é, uma mutação cromossômica, e, por isso, a filha fez o exame para investigar essa possibilidade. O resultado deu positivo, confirmando que a causa da leucemia em Elisa se trata de uma questão genética. Por esse motivo, a quimioterapia foi cancelada, porque o tratamento convencional é indicado apenas quando o câncer é linfoide, ou seja, LLA. No caso de leucemia mieloide (LMA), a alternativa mais indicada é o transplante de medula óssea.

Campanhas de fé e esperança no Instagram: corrida pela cura da Leucemia

Kellen Carvalho sabia que o transplante de medula era o procedimento mais indicado para pessoas com leucemia, mas acreditava que era uma cirurgia invasiva e complexa. “Jamais imaginei que o paciente recebia através de uma bolsa igual doação de sangue. E o doador da medula passa por um procedimento cirúrgico e a medula se regenera em quinze dias. Então é um processo bem mais simples do que eu pensava, e o melhor é que Elisa não precisa de cirurgia, recebe a bolsinha com a nova medula como se estivesse recebendo sangue”.

A equipe médica explicou para Kellen e Gustavo como funcionaria a busca pelo doador ideal no banco de dados do Redome. “Eu pesquisei e vi que é muito difícil encontrar um doador cem por cento, a probabilidade é de um para cada cem mil. Comecei a ler para entender o máximo possível sobre o transplante de medula e sobre a doação. Minhas irmãs tiveram a ideia de fazermos uma campanha de conscientização e de petição por uma medula compatível. Mas eu tinha consciência que poderíamos não encontrar. Porém, quanto mais pessoas se dispusessem a ajudar, mais chances teríamos”, descreve Kellen.

Na época em que os pais de Elisa decidiram recorrer ao transplante, eles não tinham um doador. Por esta razão, Kellen iniciou uma divulgação no Instagram pessoal a fim de localizar alguém compatível. Conforme as informações disponibilizadas pelo Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), a doação de medula pode ser aparentada ou não aparentada. Isto é, no primeiro caso, o doador pode ser uma pessoa da própria família, um dos pais ou um irmão, por exemplo. Dessa forma, existe 25% de chances de encontrar um doador compatível na própria família. Se algum irmão for 100% compatível, ele será a prioridade.

As doações de medula não aparentada ocorrem quando os familiares são incompatíveis com o paciente e é necessário buscar voluntários para realizar o transplante. As informações dos pacientes são incluídas no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme) e os doadores são cadastrados no Redome. Os dados de ambos são cruzados para verificar a compatibilidade entre pacientes e doadores. Essa busca ocorre de forma automática.

A coleta de sangue para captação de doadores de medula óssea é realizada em apenas dois dias de cada mês. Por esse motivo, Kellen aproveitou a ocasião e convocou os voluntários pelas redes sociais para que comparecessem ao Centro de Hematologia e Hemoterapia do Maranhão (Hemomar), em Imperatriz, nos dias 18 e 19 de outubro de 2022, explicando a importância da doação e que a compatibilidade é possível entre parentes e não parentes. Mesmo residindo no município de São Francisco do Brejão, que fica 64 km distante de Imperatriz, a família de Kellen e de Gustavo realizou os testes para doação e se disponibilizaram a trazer os voluntários que não tivessem transporte.