quarta-feira, 23 de abril de 2025

ESTADO DEMOCRÁTICO?

Publicado em 3 de julho de 2024, às 22:37
Fonte: Paulo Thiago Fernandes Dias – Advogado. Professor universitário (CEUMA e UEMASUL). Pesquisador-líder do grupo de pesquisa “Instituições do Sistema de Justiça e Dignidade da Pessoa Humana” (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5436723442142911). Expert na comunidade jurídica “Criminal Player”. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Doutor em Direito Público (PPGD/UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PPGCRIM/PUCRS). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (UGF). Bacharel em Direito (ICJ/UFPA). Instagram: @paulothiagof / Youtube: https://www.youtube.com/@INFORMARDIREITO
Imagem: Freepik Premium

Os últimos meses têm trazido uma série de notícias assustadoras acerca do avanço de partidos e candidatos da extrema-direita ao redor do mundo. Estados Unidos (Trump), França (Marine Le Pen), Itália (Giorgia Meloni e a LIGA), além do próprio Brasil (bolsonarismo) passam por momentos de tensão, enquanto as peças do tabuleiro político vão se movendo. A Itália já está sob o jugo de um parlamento majoritariamente ligado à direita. A França passa por eleições para o seu parlamento. EUA e Brasil terão eleições ainda neste ano. É imprudente tecer qualquer tipo de previsão sobre qual cenário teremos no final do ano de 2024.

Em relação ao Brasil, uma constatação se apresenta como óbvia e necessária: a extrema-direita não é compatível com o projeto político consagrado, ainda que formalmente, com a promulgação da Constituição da República de 1988. Vejamos.

A proteção da dignidade humana é um dos fundamentos da República brasileira (art. 1º, III, da CR). Logo, nenhuma ideologia ou movimento político calcado na concepção de pessoas como inferiores às outras poderia sequer ser cogitado no Brasil.

“Dessa compreensão, emergem, prima facie, os seguintes componentes do princípio da dignidade da pessoa humana: o valor intrínseco da pessoa, que veda a sua instrumentalização em proveito de interesses de terceiros ou de metas coletivas; a igualdade, que implica a rejeição das hierarquias sociais e culturais e impõe que se busque a sua superação concreta; a autonomia, tanto na sua dimensão privada, ligada à autodeterminação individual, como na pública, relacionada à democracia; o mínimo existencial, que envolve a garantia das condições materiais indispensáveis para a vida digna; e o reconhecimento, que se conecta com o respeito à identidade individual e coletiva das pessoas nas instituições, práticas sociais e relações intersubjetivas” (Sarmento, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 92).

Partindo-se para a experiência brasileira recente, o sequestrado e tumultuado governo Dilma se mostrou presa fácil para uma organização de extrema-direita gestada pelo próprio sistema de justiça brasileiro (ao qual se aplica o artigo 1º, III, da CR). Refiro-me à organização lava-jato que, a despeito do discurso de combate à corrupção, promoveu a corrupção do Direito e do Estado democrático, asfaltando o caminho para a eleição de chefes do executivo e de parlamentares alinhados à extrema-direita. Não é mera coincidência o fato de ex-integrantes dessa organização terem se filiado a partidos de extrema-direita.

Mal se finalizou o discutível processo de impedimento da ex-presidenta, todo um pacote de maldades legislativas foi aprovado pelo Congresso Nacional. Merecem destaque as reformas da legislação trabalhista, a reforma da previdência e a aprovação do autodenominado pacote anticrime. Em comum, essas medidas eram desnecessárias, contrárias aos interesses da maioria da população (não por acaso, foram plenamente defendidas pela mídia comercial) e manifestamente incompatíveis com o projeto de superação das fraturas sociais existentes no Brasil desde sempre.

A Constituição da República trouxe várias promessas voltadas para o combate à desigualdade (inclusive material), à intolerância, à fome, à tirania, ao exercício abusivo do poder, ao desmatamento e à precarização das relações de trabalho. Outrossim, antes mesmo que a Constituição chegasse aos seus 40 anos de idade, parcela considerável de suas promessas ou de seus projetos políticos já foi, consideravelmente, soterrada.

O Estado laico está perigosamente cercado por seitas religiosas que pregam a confusão entre religião, poder, dinheiro, agenda de costumes e política. Trabalhadores precarizados passaram a ser, maldosamente, chamados de empreendedores. Direitos humanos seguem recebendo abordagem depreciativa por néscios e oportunistas, sempre ligando o respeito a direitos e garantias individuais à defesa da impunidade. Mulheres segue sofrendo discriminações diversas em relação aos homens. Pessoas negras continuam mais visitadas pelo sistema penal do que pelo Estado social…

Para dar mais um tempero a esse caldeirão, bilionários captaram a nossa atenção por meio das ditas redes sociais. Não passamos de zumbis. Somos uma legião desatenta e incapaz, inclusive, de parar alguns minutos para uma agradável sessão de leitura. Intelectualmente, nossa preguiça nos fez apelar para aplicativos ou programas de inteligência artificial. Nós não conseguimos apertar botões para ligar uma televisão ou passar uma faixa de música. A gente precisa pedir para uma ferramenta com “voz” estranha fazer isso. Não conseguimos mais pesquisar as coisas ou redigir nossas tarefas, pois temos robôs justamente para isso.

Somos, com o perdão da tragicidade, o que os donos do poder (eternos aliados da extrema-direita) sempre desejaram que fôssemos: vulneráveis. Enquanto nos distraímos com bobagens nas redes sociais (cujos algoritmos servem à extrema-direita), seguiremos deixando o principal fora do resumo.       

Até a próxima semana, pessoal.   

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