Existe uma realidade mágica intocada ao nosso redor. Um suspiro, um vapor, o cheiro intenso do café ou o gosto adocicado do buriti. Quando falo que o cotidiano é mágico, evoco o poder da imaginação: é preciso perceber que a fantasia no sul maranhense, além de possível, se faz necessária, e nós podemos ser protagonistas de nossa própria realidade fantástica. É como remexer a terra em um plantio, é como cavar, se tocar, se perceber.
Isso nos foi tirado. Do interior às calçadas de concreto, a imaginação se perde, se debate até desaparecer. E ela some quando nossa literatura e arte não falam mais sobre os cocais e palmeiras do Maranhão. Pensar em uma arte do esquecido é perceber que precisamos legitimar nossa identidade local, pisar mais forte em nosso chão de terra vermelha e marrom, chamado de Região Tocantina.
A arte é do esquecido quando nós nos fazemos esquecíveis. E nos limitamos e aceitamos o esquecimento.
Quais são as nossas referências? Como é a nossa literatura? A verdade é que não moro em uma ilha, e sim em um relevo que coleciona morros. Quanto mais distantes estamos deste ponto, mais diferentes somos. Não quero com isso dizer que devemos nos desligar, nos separar. Não. Estou afirmando que precisamos de um olhar apurado para o lugar onde nascemos.
É momento de desnaturalizar o que é corriqueiro e perceber como profundo. Eu nasci em um planalto, então por que escrever sobre uma ilha? Eu cresci tomando banho no Rio Tocantins, então por que exaltar o mar? Se me percebi caminhando pela Avenida Pedro Neiva de Santana, subindo nos pés de caju do interior e comendo orea de macaco frita no azeite de coco babaçu, falando “mermão” com diferentes entonações e fazendo biquinho com os lábios ao dizer um “é bem aí” para indicar uma direção, não posso ignorar que tudo isso, e muito mais, me faz maranhense, muito além de ter nascido dentro deste território da federação.
Nossa arte tem valor. Telas, poemas, crônicas, ritmos, bordados, oralidades. Existe riqueza nos troncos retorcidos de nossas árvores do Cerrado maranhense, onde pousa o carcará após voar alto em procura de uma presa, e o vislumbre assustador das unhas alongadas de um tímido tamanduá, e a forma irada com que uma mucura nos encara quando nos encontra inesperadamente. Casas de taipa, alvenaria, potes de barro, sabão feito de óleo e as histórias sobrenaturais contadas à noite na calçada. Ninguém pode, em nenhum momento, nos dizer que nossa cultura não tem valor ou que não temos rimas nos lábios e força de trabalho nas mãos.
O futuro é regional. E somos constantemente forçados a esquecer isso.
Que eu possa, todas as vezes que olhar para dentro de mim, quando ouvir as palavras cantadas pelos meus lábios com um sotaque só meu e da arte produzida pelo meu corpo, perceber que existe ali uma possibilidade real de se encontrar beleza. De se inspirar, de escrever e performar sobre nós. A grandeza de ser pequeno, médio e grande. A vivacidade ácida e doce de nossas raízes. É preciso regionalizar. Rasgar e costurar. Fritar e cozinhar. Cantar e fazer prosa. Pintar e borrar. Vislumbrar o regional para alcançar o global.
Se não falarmos sobre o que somos, quem o fará?
13 de junho de 2024
I Mostra de Arte de Cultura
Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (UEMASUL)