domingo, 10 de novembro de 2024

O ABOMINÁVEL PROJETO DE LEI DO ESTUPRO

Publicado em 26 de junho de 2024, às 19:07
Fonte: Por Paulo Thiago Fernandes Dias – Paulo Thiago Fernandes Dias – Advogado. Professor universitário (CEUMA e UEMASUL). Pesquisador-líder do grupo de pesquisa “Instituições do Sistema de Justiça e Dignidade da Pessoa Humana” (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5436723442142911). Expert na comunidade jurídica “Criminal Player”. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Doutor em Direito Público (PPGD/UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PPGCRIM/PUCRS). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (UGF). Bacharel em Direito (ICJ/UFPA). Instagram: @paulothiagof / Youtube: https://www.youtube.com/@INFORMARDIREITO
Imagem: FreePik Premium

Inicialmente, há que se registrar a total e irrestrita solidariedade para com o professor Marcos Fábio e sua família, por conta da viagem do senhor Jeosafá Costa Matos, no último dia (18/06/2024). Que todos os familiares encontrem o mais absoluto conforto neste momento de tristeza e saudade.

Voltando para o estudo das Ciências Criminais, se o texto anterior foi dedicado a criticar o Projeto de Lei nº 3127/2019, que almeja criar mais um requisito para a obtenção do livramento condicional, qual seja, a opção voluntária pela castração química hormonal (nos casos especificados no projeto)[i], este escrito terá como foco o também Projeto de Lei nº 1904/2024, que, absurdamente, piora o já ruim Sistema Penal brasileiro em matéria dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, enquanto inequívocos direitos humanos:

“Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência” Capítulo VII, parágrafo 7.3, da Plataforma de Ação do Cairo de 1994[ii].

Porcamente distribuído em simplórios 6 artigos, o PL 1904/24 não apresenta uma linha sequer sobre qualquer política pública voltada ao combate à prática do estupro. Não há qualquer medida direcionada à proteção das mulheres (crianças, adolescentes, jovens, adultas ou idosas) vítimas de crimes contra a dignidade sexual, seja a título de prevenção, seja para fins de reparação dos danos sofridos. Pior! Esse projeto nada menciona sobre qualquer tipo de apoio às mulheres que se encontrem gestando um feto anencefálico[iii].

É chocante como o PL 1904/24 ignora as mulheres como seres humanos. Elas são desconsideradas totalmente de qualquer proteção, dado que não são tratadas como sujeitos de direito, mas como corpos passíveis de controle e de punição pelo Estado.

O PL 1904/24, em apertada síntese, destila ódio e desprezo às mulheres! É a busca pela legalização da crueldade e da desumanização das mulheres, destacadamente daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade.

Quanto à sua validade, o PL 1904/24 já nasce inconstitucional. Afinal, ao obrigar que mulheres, a despeito de estarem com gestação superior a 22 semanas, sigam com gravidez decorrente de estupro ou nos casos de má formação fetal inviabilizadora da vida[iv], sob pena de punição penal, o projeto em comento viola preceito constitucional que impede, de forma absoluta e incondicional, a prática da tortura (art. 5º, III, da Constituição da República).

Em seus 6 artigos, o PL 1904/2024 promove uma equiparação entre as vidas intrauterina e extrauterina, com vistas à imposição da pena correspondente ao homicídio simples (reclusão de 6 a 20 anos) em todas as modalidades de abortamento (artigos 124 ao 126), quando, diante de suposta viabilidade fetal (presumida), a gravidez for interrompida após 22 semanas gestacionais[v].

Sobre o tema, o Código Civil (art. 3º), a despeito de reconhecer a proteção a direitos do nascituro, é expresso no sentido de que a personalidade civil só será alcançada com o nascimento. Logo, o nascituro, deve ser concebido como alguém que está para nascer.

Ainda sobre essa equiparação entre as vidas intrauterina e extrauterina, nem o Código Penal, aprovado durante a ditadura do Estado Novo de Vargas em 1940, sob a égide da não menos autoritária Constituição de 1937, com suas indiscutíveis inspirações fascistas, foi tão longe e equivocado quanto o PL 1904 que, com a penas 6 artigos, consegue violar os princípios da dignidade humana, da proporcionalidade e da vedação à prática da tortura[vi].

Ademais, o PL 1904/24 passa por cima da trágica situação brasileira referente à cultura do estupro, quando mais de 70% dos crimes sexuais são cometidos contra crianças e adolescentes, no ambiente doméstico e familiar[vii]. Assim, nos termos do PL 1904/24, se uma criança, com gravidez decorrente de estupro, abortasse após 22 semanas de gestação, ela seria submetida a medida socioeducativa, e não a acompanhamento médico, psicológico e socioeconômico.

O PL 1904/24 não se importa com as jovens vítimas dos mais variados crimes sexuais cometidos diariamente no país. Os responsáveis pela propositura e votação da tramitação em caráter de urgência do PL 1904/24 nada têm a contribuir para o combate à criminalidade ou à proteção de mulheres (crianças, adolescentes, jovens, adultas ou idosas) vítimas de crimes sexuais.

Ao que se percebe, os defensores do PL 1904/24 buscam ganhos eleitorais a partir de uma Política Criminal inumana e inconstitucional. Do que mais esse tipo de parlamentar é capaz? Que tipo de moralidade religiosa consegue coagir vítimas de estupro, inclusive crianças, a seguirem com uma gestação, sob pena de responsabilização correspondente à do crime de homicídio (art. 121, caput, do CP)?

Até a próxima semana, pessoal.


[i] Vide: https://regiaotocantina.com.br/2024/06/12/a-inconstitucionalidade-do-uso-da-castracao-quimica-voluntaria-como-requisito-para-a-concessao-do-livramento-condicional/

[ii] Fonte: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://direitoshumanos.dpu.def.br/wp-content/uploads/2021/07/cartilha_defesa_direitos_sexuais_reprodutivos-2021.pdf, p. 10.

[iii] Fonte: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2425262&filename=PL%201904/2024

[iv] O texto do projeto utiliza a porosa expressão “viabilidade fetal presumida”. Contudo, essa ressalva fará com que mais gestantes e profissionais da saúde se vejam constrangidos a seguir com a gestação, mesmo nos casos de má formação fetal grave.

[v] Fonte: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2425262&filename=PL%201904/2024

[vi] Fonte: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://editora.pucrs.br/edipucrs/acessolivre/anais/congresso-internacional-de-ciencias-criminais/assets/edicoes/2020/arquivos/25.pdf

[vii] Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/06/6880653-atlas-da-violencia-mostra-que-a-cada-46-minutos-ocorreu-um-estupro-no-brasil-em-2022.html

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