Sempre fui apaixonado pelos assuntos relacionados às diversas possibilidades de linguagem. Durante um bom tempo, dediquei-me ao estudo da Análise do Discurso e suas diversas implicações ideológicas na construção e desconstrução de um texto. Nesse percurso, sempre me encantou a ideia de que os textos dialogam entre si, mesmo que esse diálogo muitas vezes possa ser sentido a partir de pausas e de aparentes silêncios. Acho importante conhecer um pouco das diversas teorias para não cair na tentação de acreditar que uma ideia seja minha, originalmente minha. Muitos foram os que pensadores que me ajudaram a construir meus caminhos.
Sou fruto de muitos livros lidos, de muitas aulas recebidas, de muitas palestras presenciadas, de muitos diálogos com alunos e colegas. Ninguém se constrói sozinho. Todos nós devemos muito a muitas pessoas que, às vezes, nem mesmo conhecemos pessoalmente. Neste momento, tenho, diante de mim, uma estante repleta de obras sobre os estudos da linguagem. Palavras como dialogismo, polifonia, discurso, intertextualidade, gêneros discursivos, autor, autoria, enunciado, enunciação e estilo fazem parte dos títulos dessas preciosas obras. Impossível fugir desses diálogos. Eles nos cercam em cada fala e em cada pensamento.
Digo isso porque sobre minha mesa estão dois livros sobre os quais faz um bom tempo que tenho vontade de escrever. Feliz ou infelizmente, o tempo é uma unidade cronológica limitada e limitante. Nada posso fazer fora dele e o tique-taque de um relógio imaginário me lembra que, em algum momento, não terei como virar a ampulheta para iniciar um novo ciclo. O tempo não para. E nem repara em nós.
Conforme disse acima, esse retorno aos livros teóricos sobre a linguagem e a Análise do discurso se deu por causa de dois volumes que agora estão sobre minha mesa. Não tenho certeza se os dois autores se conhecem pessoalmente, se são amigos ou se um já chegou a ler o livro do outro. Mas, mesmo assim, eles, de alguma forma, dialogam. Com um desses autores tenho constante contato via internet. Admiro seu trabalho e vibro com cada uma de suas conquistas. Afinal de contas, não precisamos conhecer pessoalmente alguém para que nos sintamos à vontade diante desses seres iluminados que são colocados em nosso caminho. O outro, já tive o prazer de encontrar pessoalmente duas vezes, sempre em eventos literários. No primeiro encontro, ele me presenteou com o livro de que falarei daqui a pouco.
O primeiro é o professor, poeta, prosador e membro da Academia Imperatrizense de Letras Humberto Barcelos, um homem nascido em Goiás, mas que adotou o Maranhão (e mais propriamente Imperatriz como terra amada). O título de um de seus livros traz a curiosa indagação: Onde está a poesia? (Marco Zero Editora, 2020, 140 páginas). Eis uma pergunta de difícil resposta, já que, desde tempo imemoriais, alguns dos maiores sábios de nossa história tentaram responder a esse questionamento e sempre esbarraram em respostas conflitantes ou até mesmo insatisfatórias.
Sem querer polemizar ou teorizar, o poeta divide o livro em quatro partes e em cada uma delas demonstra que ali pode estar a poesia. E quais são esses lugares? “Na sabedoria dos conselhos”, “Nos ditados populares”, “Em cada canto da cidade” e “Em cada canto do país”. Utilizando uma linguagem bastante acessível e carregada de poeticidade, Humberto Barcelos deixa transparecer que a antiga ideia do Inutilia Truncat ainda pode ter validade nestes tempos hipermodernos nos quais “tudo o que é sólido se desmancha no ar” (Marx/ Marshal Berman) e se acomoda rapidamente dentro de moldes líquidos (Zygmunt Bauman) de uma sociedade de riscos (Ulrich Beck), acostumada com a espetacularização da vida (Gui Debord) em um processo cada vez mais híbrido (Néstor Canclini) e de consumismo intenso e efêmero (Jean Baudrillard / Gilles Lipovetsky).
Sabedor de que estamos em uma sociedade cada vez mais complexa (Edgar Morin), Humberto Barcelos prefere apostar na simplicidade e no apelo à consciência do leitor, afinal de contas:
Há duas formas de se viver:
Viver a vida como ela é
Ou como deveria ser.
Tenha sonhos e siga em frente,
Porque a realidade
Já é dura o suficiente (pág. 27).
Dialogando com a pergunta publicizada por Humberto Barcelos, o jovem escritor, administrador de empresas, compositor e poeta de Santa Luzia Henning Winter deixa no título de seu livro um complemento à indagação formulada por seu companheiro de lides com as palavras. No livro No silêncio há poesia (Editora estampa, 2022, 80 páginas), o poeta mostra que:
a fonte de onde bebo
guardo em segredo
revelar seria loucura
prefiro o mistério
em que me encontro
e não consigo
desprender-me (pág. 21)
Centrados na primeira pessoa, os poemas de Henning Winter funcionam como gritos dentro de um silêncio. Não que esse silêncio seja insuportável e precise ser devassado, mas pelo fato de o eu lírico reconhecer que o silêncio é necessário para que a mensagem possa se propagar e tentar fazer eco. Os poemas são curtos, simples e buscam resgatar um eu esquecido cujas memórias “remetem-me há um tempo / e eu nem lembrava / que era feliz” (pág. 36). Nos textos, o eu lírico quase sempre se encontra sozinho, mas não solitário, pois, consciente de que “as portas por onde entrei / agora se fecham” (pág. 25), ele aposta em uma espécie de solilóquio e, ao seguir adiante:
visto-me de
simplicidade
verdade
humildade
revisto-me de
amor
simplicidade.
Em um constante entrelaçamento verbal, de algum modo a poesia de Humberto Barcelos e a de Henning Winter acabam dialogando, não apenas na busca de tentar saber onde está a poesia, na determinação de mostrar que a poesia pode estar em qualquer lugar, dentro ou fora de nós.
Uma boa oportunidade para conhecer esses dois autores cujas obras dialogam entre si e que dão suas contribuições para a formação de nossa literatura.
Uma resposta
“a fonte de onde bebo
guardo em segredo
revelar seria loucura
prefiro o mistério
em que me encontro
e não consigo
desprender-me ”
Só por estes versos já me valeram os olhos, já me valeu o dia de hoje. Gratidão.