Em caso
De vida sem cor
Ou vazia
Quebre o frasco:
Poesia!
É preciso percorrer o nosso Maranhão! É preciso conhecer os muitos valores que se encontram esquecidos em cada recanto de nosso Estado. Não importa o munícipio ou povoado a que se chegue, sempre encontraremos alguém que escreve, alguém que se dedica à árdua tarefa de transformar sonhos e realidades em versos. Sempre encontraremos alguém que um dia descobre que as palavras podem ser uma salvação, podem ser uma válvula de escape rumo a uma realidade paralela que se quase sempre se ancora em cenas vividas, em casos ouvidos, em necessidades não satisfeitas, em desejos não realizáveis… pois é mais ou menos ali que nascem as obras de arte.
Claro que não iremos encontrar um Camões, um Bocage, um Gonçalves Dias, uma Cecília Meireles ou um Joao Cabral de Melo Neto em cada recanto do Maranhão. Claro que sair em busca da poesia perfeita é uma tarefa limitante, limitada e inglória. Sempre é possível apreciar a Poesia em estado menos lapidado, sem preocupação extrema com as metáforas ou com as figuras de construção. Às vezes, é possível alimentar-se da seiva que jorra da naturalidade de versos e de narrativas de pessoas simples e que utilizam a arte como inexorável forma de expressar-se.
Porém, nessa necessária e hipotética viagem cultural pelo interior de nosso Estado, podemos encontrar também muitos artistas que foram forjados nas lides do cotidiano e que depois decidiram partir em busca de outras formas de conhecimento nos bancos das faculdades e universidades. Tudo isso sem deixar de lado suas raízes.
Esse parece ser o caso da professora e escritora Rilnete Melo, que vem participando de diversas antologias e que tem se dedicado à publicação de trabalhos individuais, principalmente no âmbito da poesia.
Nascida em Marajá-Monção, Rilnete Melo foi criada na cidade de Pindaré-Mirim. Desde muito cedo, por influência familiar, encantou-se com as histórias e com a melodia dos romances de cordel. Essa paixão a acompanha durante toda a sua trajetória, mesmo durante o período em que foi morar no Rio Grande do Norte, onde teve ativa atuação como colaboradora em jornais e participante de concursos relacionados com os cordéis, sendo que em alguns deles saiu consagrada como vencedora.
O gosto pelas manifestações artísticas populares a acompanhou também durante sua graduação em Letras e em sua pós-graduação em Docência do Ensino Superior, apresentando diversos trabalhos de cunho acadêmico e produzindo obras em verso. Também como professora e gestora educacional, sempre incentivou seus alunos e colaboradores no estudo da chamada cultura popular.
Em 2002, a escritora reuniu alguns de seus poemas e publicou o livro Construindo Versos (Acilbras, 101 páginas). Com forte motivação metalinguística e social, o livro apresenta-se dividido em duas partes. No primeiro momento estão os poemas curtos, praticamente versos de ocasião, nos quais a autora revela algumas de suas visões líricas e ideológicas acerca de temas que podem parecer incômodos para algumas pessoas, mas que precisam ser debatidos, como é o caso da miscigenação do povo brasileiro e do respeito à comunidade LGBTQIA+, conforme pode ser visto nos versos abaixo.
O mundo
É multicor
Aquarele-se
Pinte-se
De amor (pág. 21).
A nordestinidade, o olhar feminino (e feminista), a luta por espaço e outros temas do cotidiano aparecem com grande intensidade na segunda parte do livro. No poema Versejando (pág. 62), ela praticamente explica aos leitores sua concepção do fazer poético e da construção do texto. Ela diz, lembrando um pouco a poética de Luiza Cantanhêde:
Versejo
Sem rebuscamento
Pois minha voz
Alcança
O que vivo
São verso ecoados
Do machado
A cravar no babaçu.
(…)
É rima
De grafia
Feita no estrume
Do buriti à juçara
A germinar fala.
Sabedora que de seus versos podem trazer certo espanto para algumas pessoas, a escritora se desnuda diante dos olhos assustados de quem acredita que às mulheres escritoras estão destinados sempre temas mais amenos e menos polêmicos, com preferências com temas sobre amor e felicidade eterna. Sobre isso, Rilnete Melo diz:
(…)
Rasguei velhas rimas
Vesti-me de roupas novas
Sou mulher de cabelo curto
Escrevendo sobre sexo
Poesia santa ou profana
(…)
Joguei no papel a coragem
Invadi páginas proibidas
De salto ou de galocha
Abri chaves descabidas
Diante de uma realidade crua e nada poética, a poetisa não fecha os olhos para os problemas sociais. Embora em seu livro seja possível encontrar diversos poemas dedicados à mãe e ao pai ou com outros temas que remete às ternuras da vida, ela não abdica do direito de denunciar aquilo que considera errado ou injusto. Possivelmente inspirada pelas imagens poéticas eternizadas por Manuel Bandeira em seu célebre poema O Bicho, Rilnete Melo elaborou a seguinte composição estética:
O menino rachava os pés
Sob o sol escaldante
Revirando o lixo da esquina
A irmã, meio chalaça, meio menina
Aguardava as migalhas
Da escassa refeição…
Da fedentina!
Construindo versos é um livro pequeno e leve na sua estrutura física, mas que traz em suas páginas dezenas de vozes que não podem se calar e nem podem ser caladas, pois o silêncio poderia se tornar comparsa se inúmeros crimes perpetrados no vazio da isenção social.
É preciso ver o que está sendo feito nos vários recantos de nossa terra. Apenas fechar os olhos, creio eu, não deve ser a solução.
Uma resposta
Querido amigo e mestre José Neres,
Ah! Que lindo! É com imenso prazer e alegria que quero aqui expressar minha gratidão.
Através do artigo publicado, pude realmente sentir a profundidade e o impacto da minha poética sob um novo olhar, enriquecido pela sua análise perspicaz.
Ser reconhecida por um mestre imortal como você é uma honra verdadeiramente indescritível. Suas palavras não apenas validam minha jornada poética, mas também servem como um farol inspirador para minha contínua busca pela excelência na arte da escrita.
Grande abraço!