Muitas surpresas nos esperam quando tentamos recuperar arquivos de um computador antigo. Lá está, invariavelmente, parte de nosso passado. No meu caso, sempre que isso acontece, tenho certeza de que terei um reencontro marcado com alguns projetos que ficaram para trás, perdidos nos desvãos da memória (minha e do computador).
Algumas semanas atrás, encontrei em uma caixa alguns HDs de meus antigos computadores. Com tempo livre, resolvi explorar aqueles arquivos que sobreviveram às evoluções tecnológicas. Ali estavam inúmeras provas que apliquei ao longo dessas minhas mais de três décadas em sala de aula, diversos artigos que escrevi em meus vinte e três anos de colaboração em um jornal que hoje infelizmente não mais circula de modo físico, muitos slides preparados para ministrar aulas e palestras, fotos de eventos e partes do original de um livro que nunca cheguei a concluir, embora já estivesse bem avançado na época.
Vasculhando um pouco mais, encontrei o registro do ISBN do referido livro, a capa outros documentos que iriam compor o trabalho. Voltei no tempo e me lembrei que a capa havia sido elaborada a partir da montagem um quadro que me havia sido ofertado por uma amiga e uma foto do rosto de minha filha, que devia ter na época uns seis ou sete anos. Na parte de cima o título: As múltiplas cores do batom e um subtítulo: estudos sobre a produção literária de mulheres maranhenses.
Ali estavam artigos sobre Maria Firmina dos Reis, Arlete Nogueira da Cruz, Dagmar Destêrro e muitos outros de abordagem mais generalista. Ainda incompleto está o ensaio que dá nome ao livro. Das seis partes planejadas, três estão concluídas e as demais apenas em esboço. Caso alguém tenha ficado curioso, segue o índice dos subtítulos do ensaio: 1) O começo; 2) O vermelho do desejo; 3) O negro quadro social; 4) O puro branco da ingenuidade; 5) O furta-cor do intertexto e 6) O filosófico tom cinzento. Tudo isso seguido de uma bibliografia acerca da produção das escritoras que produziam nossa literatura até aquela época.
Pelas referências, pude perceber que eu escreveria sobre nomes como Lindevânia Martins, Maria Martha, Rosemary Rego, Geane Lima Fiddan, Márcia Gardênia Serra Mota, Sandra Regina Alves Ramos, Lenita Estrela de Sá, Silvana Meneses, Luciana Martins, Sonia Almeida, Cristiane Mesquita Gomes, Wanda Cunha e Rita Oliveira, entre outras. Muitas delas eu nem mesmo conhecia pessoalmente naquela época, mas já admirava seus trabalhos. Até hoje sou fã de todas e de muitas outras escritoras que surgiram depois.
O arquivo estava datado de 2006. Caso o livro tivesse sido lançado naquela época, hoje seria um trabalho totalmente desatualizado, pois a produção feminina deu um grande salto nas últimas décadas. Porém, mesmo desatualizado, o trabalho teria sido um marco em minha trajetória de pesquisador. É um estudo que eu sempre quis fazer. Vasculhei os terrenos da memória (ou do esquecimento) e tentei saber o porquê de não haver concluído o trabalho. Depois de um bom tempo lembrei que o computador da época dera problema e que o técnico que chamei me disse que não havia jeito de fazê-lo voltar a funcionar. Como eu costumava salvar os documentos em CDs, não me preocupei com isso. Mas os tempos mudaram, as tecnologias da informação deram um gigantesco salto e aquele projeto parece que mergulhou nas trevas do esquecimento e se perdeu em uma profusão de outros horizontes que se descortinaram a minha frente.
Sinceramente, esse reencontro com o passado me fez sentir vontade de completar o ensaio, reunir os diversos artigos que publiquei ao longo de minha carreira sobre a literatura de autoria feminina em nosso estado e ressuscitar aquele livro que se encontrava praticamente perdido. Sem nada prometer, vou pensar no caso.
Um dia… quem sabe?