Sentado ali na praça de alimentação de um grande shopping da “cidade que nunca dorme”, debaixo de uma temperatura de menos dois graus centígrados, João José olhava, sem enxergar a multidão ao seu redor.
Mergulhava num rio de lembranças das coisas da infância e do início da adolescência. O período era propício para aquele tipo de nostalgia. Já tinha passado o Natal e agora aproximava-se o Ano Novo.
Boas lembranças do seu torrão natal, no interior de uma cidade pobre do Maranhão. Era o terceiro ano longe de sua terra, e de tudo que amava e deixou para trás, desde que ganhara a bolsa de estudos do Governo para se doutorar na terra do Tio Sam. Tinha sido um brilhante aluno de medicina. E sua dedicação numa linha de pesquisa sobre reprodução humana tinha lhe rendido aquela bolsa.
Pensava: tinha tudo para dar errado e reproduzir o destino dos pais, pobres lavradores que tinham que plantar numa terra emprestada para poder comer.
Agora, estava ali a estudar numa das maiores cidades do mundo. A certeza de tirar os pais e os irmãos da miséria estava bem próxima.
João José lembrava intensamente dos pais, já na terceira idade; da galinha caipira feita na hora, das piabas, apanhadas no brejo no fundo do quintal e fritas ao azeite de coco babaçu, do jogo de travinha, dos festejos, das missas… e daquele dia que mudou sua vida: um parente distante, ao observar seu jeito solto de ser, perguntou se ele não gostaria de ir para a capital estudar.
Ainda quis não aceitar o convite, mas, ao observar a situação em que viviam os pais e os irmãos, não pensou duas vezes e partiu.
Tinha certeza de que tinha feito a opção certa. Deixar para trás a família e o grande amor de sua vida. Um amor proibido, não pela cor da sua pele negra, mas pelo fosso financeiro que separava a sua família da família da sua doce e amada Tereza.
Os pais dela não aceitavam aquela “cegueira” que dominava os dois desde a infância. Queriam, diziam ao próprio João José, coisa melhor para filha.
“Coisa melhor”. Aquelas palavras soavam como uma faca amolada lhe rasgando o peito, lhe rasgando a alma. Já pensava naquele tempo em se casar com Tereza, construir uma vida com ela, contudo, não tinha falsa ilusão: se continuasse ali, naquela situação extrema de pobreza, jamais receberia as bênçãos para desposá-la; por isso, se agarrou de corpo e alma ao convite do tio para estudar na capital. Voltaria depois para buscar a amada, e com ela realizar o sonho da infância de constituir uma família.
Sete anos depois, ali já na porta do shopping, abraçado ao próprio corpo, aquecido por um grosso casaco, João José olhou para o alto, e sentiu os flocos de neve caírem no seu rosto dividindo espaço com uma solitária lágrima que naquele momento parecia lhe queimar o rosto.
Horas antes recebera uma notícia que jamais imaginara: Tereza se casou, já grávida, com o filho de um antigo funcionário da fazenda dos pais dela.