sexta-feira, 23 de maio de 2025

DESILUSÃO

Publicado em 31 de dezembro de 2023, às 7:25
Fonte: Elson Araújo – jornalista, advogado, escritor e membro da Academia Imperatrizense de Letras (AIL) e do IHGI.
Imagem: FreePik Premium

Sentado ali na praça de alimentação de um grande shopping da “cidade que nunca dorme”, debaixo de uma temperatura de menos dois graus centígrados, João José olhava, sem enxergar a multidão ao seu redor.  

Mergulhava num rio de lembranças das coisas da infância e do início da adolescência.  O período era propício para aquele tipo de nostalgia. Já tinha passado o Natal e agora aproximava-se o Ano Novo.

Boas lembranças do seu torrão natal, no interior de uma cidade pobre do Maranhão.  Era o terceiro ano longe de sua terra, e de tudo que amava e deixou para trás, desde que ganhara a bolsa de estudos do Governo para se doutorar na terra do Tio Sam. Tinha sido um brilhante aluno de medicina. E sua dedicação numa linha de pesquisa sobre reprodução humana tinha lhe rendido aquela bolsa.

Pensava: tinha tudo para dar errado e reproduzir o destino dos pais, pobres lavradores que tinham que plantar numa terra emprestada para poder comer. 

Agora, estava ali a estudar numa das maiores cidades do mundo. A certeza de tirar os pais e os irmãos da miséria estava bem próxima.

João José lembrava intensamente dos pais, já na terceira idade; da galinha caipira feita na hora, das piabas, apanhadas no brejo no fundo do quintal e fritas ao azeite de coco babaçu, do jogo de travinha, dos festejos, das missas… e daquele dia que mudou sua vida: um parente distante, ao observar seu jeito solto de ser, perguntou se ele não gostaria de ir para a capital estudar.

Ainda quis não aceitar o convite, mas, ao observar a situação em que viviam os pais e os irmãos, não pensou duas vezes e partiu.

Tinha certeza de que tinha feito a opção certa. Deixar para trás a família e o grande amor de sua vida. Um amor proibido, não pela cor da sua pele negra, mas pelo fosso financeiro que separava a sua família da família da sua doce e amada Tereza.

Os pais dela não aceitavam aquela “cegueira” que dominava os dois desde a infância. Queriam, diziam ao próprio João José, coisa melhor para filha.  

“Coisa melhor”. Aquelas palavras soavam como uma faca amolada lhe rasgando o peito, lhe rasgando a alma. Já pensava naquele tempo em se casar com Tereza, construir uma vida com ela, contudo, não tinha falsa ilusão: se continuasse ali, naquela situação extrema de pobreza, jamais receberia as bênçãos para desposá-la; por isso, se agarrou de corpo e alma ao convite do tio para estudar na capital. Voltaria depois para buscar a amada, e com ela realizar o sonho da infância de constituir uma família.

Sete anos depois, ali já na porta do shopping, abraçado ao próprio corpo, aquecido por um grosso casaco, João José olhou para o alto, e sentiu os flocos de neve caírem no seu rosto dividindo espaço com uma solitária lágrima que naquele momento parecia  lhe queimar o rosto. 

Horas antes recebera uma notícia que jamais imaginara: Tereza se casou, já grávida, com o filho de um antigo funcionário da fazenda dos pais dela. 

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