domingo, 1 de dezembro de 2024

ARTIGO DE SEGUNDA 16: A LAVRA E O LIVRO – UMA RESENHA

Publicado em 11 de dezembro de 2023, às 8:31
Fonte: José Neres – Professor. Membro da AML, ALL, APB e da Sobrames-MA
Imagem cedida pelo autor

Recentemente, no dia 13 de novembro, o poeta, crítico literário e compositor Salgado Maranhão completou setenta anos de uma vida voltada para as artes e para o manejo com as palavras. Muitas foram as comemorações e homenagens dedicadas ao autor do recentemente lançado A voz que vem dos poros – Antologia poética (Malê, 2023, 252 páginas). Salgado Maranhão, além de poeta de primeiro nível em nossa literatura contemporânea, é um homem cordato, de fino trato e que sabe a hora de falar e a hora de calar-se, que consegue traduzir em versos aquilo que pode ser visto apenas como dor e sofrimentos por quem não se interessa pelas eternas lutas com as palavras.

Mas, entre as muitas homenagens recebidas por Salgado Maranhão neste ano de 2023, uma se destaca pelo grau de profundidade crítica e pela possibilidade de levar ainda mais longe o nome a e poesia desse poeta maranhense que vem conquistando o mundo com o poder de suas palavras. Trata-se do lançamento do livro A lavra e o livro: Ensaio sobre a lírica de Salgado Maranhão & Antologia Poética (Mondrongo, 2023, 210 páginas), escrito por Rafael Campos Quevedo, professor do departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão.

Profundo estudioso da literatura, com ênfase na produção poética de autores clássicos e contemporâneos, Rafael Campos Quevedo é graduado em Letras e em Filosofia, pela Universidade Federal do Maranhão. Tem especialização em Literatura Brasileira (Universidade Salgado de Oliveira), mestrado em Letras (UFES), doutorado em Literatura (UNB) e fez pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense. E foi justamente como resultado de seu estágio pós-doutoral que surgiu essa análise crítica que foi transformada em livro.

Rafael Quevedo é um professor com bastante experiência em leitura e análise de textos poéticos. Em seus artigos, percebe-se uma preocupação em não dizer com outras palavras aquilo que já foi dito por muitos. Ele gosta de esmiuçar versos, estrofes e poemas em busca do que talvez apenas tenha sido suscitado pelos poetas, mas que pode tornar-se cristalino depois de uma imersão nas palavras que compõem o texto. Os resultados de suas leituras acabam se transformando em aulas, artigos, livros, capítulos de livros e discussões em seus grupos de trabalhos sobre a lírica contemporânea e sobre estudos girardianos, todos devidamente registrados na plataforma do CNPQ.

Logo no início da apresentação do trabalho, o autor informa que “este livro é o registro de um percurso de leitura de toda a obra lírica de Salgado Maranhão” (pág. 7), explica as diretrizes metodológicas aplicadas, sintetiza cada um dos capítulos do livro e avisa aos leitores que “ao final destas seções ensaísticas (…), preparamos um apanhado da poesia de Salgado Maranhão, desde sua estreia em 1978 até seu último lançamento”. Desse modo, o ensaísta oferece a seus leitores a oportunidade de entrar em contato com textos originais e selecionados do próprio autor estudado/homenageado, o que pode servir para eliminar um pouco do ranço de academicismo do livro e unir a leitura crítica e teórica à experiência poética.

No primeiro capítulo, Rafael Campos Quevedo faz uma breve retrospectiva biobibliográfica do autor de A cor da palavra, discute a presença de temáticas como negritude, erotismo e escrita de si na poética salgadiana. No segundo momento do livro, o autor se debruça sobre as especificidades do livro O mapa da tribo, concentrando-se na ideia de um retorno labiríntico que permeia boa parte da obra. Uma aproximação entre a poesia de Salgado Maranhão e a emblemática Canção do Exílio, do poeta romântico Gonçalves Dias, é o centro da terceira parte do livro. Nesse tópico, o crítico se desvencilha da ideia mais ou menos óbvia da origem caxiense dos dois escritores e mergulha na análise do poema Minha Terra, publicado em Mural do Vento, e aproveita para cotejar a ideia do exílio com o Poema Sujo, obra-prima de Ferreira Gullar. Embora esteja em um capítulo relativamente curto, essa análise é aprofundada e serve para complementar algumas discussões iniciadas no tópico anterior.

Em continuidade, o leitor se depara com um estudo sobre a importância do tempo na obra de Salgado Maranhão. Trata-se de um texto que praticamente “atravessa” a produção salgadiana de ponta a ponta e percorre diversas encruzilhadas teóricas a fim de destrinçar o emaranhando temporal que se descortina na leitura dos poemas analisados. A presença do mito no livro Pedra de Encantaria é o foco de interesse do quinto momento do ensaio. Diversos são os elementos míticos ressaltados por Rafael Quevedo ao longo do estudo, todos devidamente justificados e elencados dentro de uma arquitetura poética que vai além da citação e/ou referências a mitos, mas sim ancorados na presença e “na recorrência ‘fogo’ e ‘pássaro’ ao longo de poemas que o integram” (pág. 106). Para concluir os tópicos que rementem às características do poeta caxiense, Quevedo faz referência à presença de um dos pontos mais recorrentes da obra de Salgado Maranhão: o erotismo.

Para Chegando ao fim da análise, Rafael Quevedo elaborou o que possivelmente é o capítulo mais denso do livro. Ao buscar “refletir acerca do estatuto de contemporaneidade” (pág. 117), o ensaísta defende a tese de que esse raciocínio só pode ser levado adiante se houver um relacionamento sistêmico entre o tempo e as tradições que permeiam aquela época. A partir daí, Quevedo passa a desvendar o projeto poético de um escritor que não cria sua obra levado pelo acaso. Ele demonstra que os livros tentam encontrar respostas para questões tanto modernas quanto ancestrais e que a obra poética de Salgado Maranhão apresenta padrões de relacionamento com diversas vertentes da contemporaneidade.

A lavra e o livro é uma obra de grande densidade crítica e que apresenta uma tessitura crítica de altíssimo nível. Embora eivada de teorias nem sempre facilmente digeríveis por quem não seja iniciado em algumas abordagens teóricas, o livro pode ser lido até mesmo por alguém que desconheça por completo a lírica de Salgado Maranhão. E a antologia no final do volume pode servir como guia de leitura ou como presente para quem é apaixonado pela boa poesia contemporânea de um dos grandes poetas da atualidade.

3 respostas

  1. De ante mão gostaria de agradecê-lo prof. Dr. Poeta Escritor e Crítico Literário José Neres. A sua crítica através deste artigo me trouxe bastante conhecimento da poética do autor em questão: O Poeta Salgado Maranhão, sem dúvidas é o poeta que nos representa como maranhenses e brasileiros em quaisquer lugar do mundo. Muito nos orgulha pelas suas obras, humildade e simpatia com seu povo da sua amizade como nós poetas escritores, e todas as categorias, leitores ou não. Eu já pude comprovar a sua competência e gentileza nos eventos onde se encontrava: como palestrante ou simplesmente ouvinte. Mas enfim voltando para a sua última obra e tive oportunidade de adquirir os dois livros na FELIS de ano que se finda. Ainda estou no começo da leitura. Parabéns pela sua avaliação crítica das obras e obviamente do seu colega Quevedo e do Excelso Salgado Maranhão. Abraços poéticos.

    1. Obrigado, amigo Francisco Moreira. Estamos nessa luta diária tentando divulgar a literatura de nosso Brasil, ou, talvez, de nossos Brasis, tantas que são as diversidades e peculiaridade.

  2. O artigo lúcido e perspicaz do ilustre professor José Neres é um metaconvite. A antologia “A voz que vem dos poros” nos convida a mergulhar nas águas profundas da poesia de Salgado Maranhão, enquanto o ensaio “A lavra e o livro” atua como um guia experiente, iluminando os caminhos e os segredos escondidos nesse vasto oceano de palavras e significados. Juntos, esses dois volumes certamente oferecem aos leitores uma visão completa e multifacetada do trabalho do autor pelos olhos de Quevedo, permitindo não apenas apreciar sua poesia, mas também compreender as nuances, temas e influências que permeiam suas criações.

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