Cada vez mais, estamos vivendo aquela situação de não saber se estamos lendo uma notícia falsa ou verdadeira. Isso acontece a todo o instante, como todo mundo. A professora e pesquisadora Marta Alencar tem se debruçado, para estudar e combater, sobre o universo das fake News há alguns anos. Uma das suas iniciativas foi a criação da COAR, agência de checagem de notícias falsas. Nesta entrevista, ela desvanda um pouco desse mecanismo de criação e disseminação das fake News, deixa dicas de como se prevenir delas e apresenta o trabalho da COAR. Vale a leitura.
Região Tocantina – Qual é o conceito de Fake News?
Marta Alencar – O conceito fake news é problemático e supérfluo para explicar o contexto atual. Porque o termo é geralmente usufruído por políticos para descredibilizar opositores e criticar a imprensa. Na tradução literal do inglês para o português, o termo significa notícia falsa. No entanto, a notícia jornalística é respaldada pelos critérios de noticiabilidade, entre os quais a verdade factual. Assim, uma notícia não pode ser mentirosa ou embasada na manipulação ou contradição. Para os pesquisadores Claire Wardle e Hossein Derakhshan, o termo mais correto seria desordem informacional, que tem em seu enquadramento: (mis)information – que corresponde a informação incorreta, compartilhada por usuários que não percebem que a informação é falsa ou manipulada; (dis)information corresponde ao conteúdo fabricado com interesses econômicos e políticos, enquanto o termo (mal)information é a informação verídica, porém manipulada, que é divulgada para causar danos à reputação de alguém ou empresa. Por isso, devemos evitar a utilização do termo fake news, pois é equivocado para explanar os fenômenos comunicacionais.
Região Tocantina – Por que, na sua opinião, as Fake News “explodiram” nos últimos tempos?
Marta Alencar – A mentira sempre fez parte da história da humanidade, mas com a ascensão das redes sociais digitais verifica-se uma aceleração das informações nos últimos dez anos. Muitas delas são distorcidas, com contexto histórico errado e manipuladas. Até porque é notório que as pessoas compartilham informações com teor sensacionalista ou que é partilhada por um amigo ou parente, sem ao menos verificar sua autenticidade. Portanto, a velocidade da desinformação tem maior alcance que a informação verificada e contestada. Um estudo de Jay J. Van Bavel, Elizabeth A. Harris, Philip Pärnamets, Steve Rathje, Kimberly C. Doell, Joshua A. Tucker, divulgado em 2021, mostra que muitas das mensagens políticas que viralizam combinam a linguagem inflamatória com um tom de ameaça e vitimização de um grupo social, o que consequentemente permite a incitação do discurso de ódio e de ataques nas redes sociais digitais. Outro ponto é que mensagens viralizam quando capturam a atenção das pessoas. Conteúdos negativos do ponto de vista emocional despertam mais atenção do que conteúdos neutros ou positivos.
Região Tocantina – Na sua concepção, vamos ter que conviver, cada vez mais, com a sensação de insegurança quanto a saber se uma notícia que lemos é falsa ou verdadeira?
Marta Alencar – Infelizmente, vivemos em um cenário de insegurança, especialmente no Brasil. As últimas eleições são uma prova. A polarização política e ideológica faz com que muitos brasileiros acessem informações em sites ou canais sensacionalistas e negacionistas, que contrariam os meios de comunicação consolidados no país. Esses brasileiros preferem ler, ouvir e ver canais ou perfis que compartilham informações de acordo com seus interesses ou posição política, o que é contraditório. O jornalismo é e sempre será instrumento de verificação das informações que circulam on e offline. Se as pessoas deixam de confiar no jornalismo e acabam recebendo informações de canais partidários, a tendência é aumentar a insegurança, o discurso e a desinformação no país. O relatório de notícias Digitais deste ano elaborado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism, mostra que a confiança nas notícias caiu em muitos países. Além disso, as marcas de mídia pública estão entre aquelas com os mais altos níveis de confiança em muitos países do norte da Europa, mas o alcance tem diminuído com o público mais jovem.
Região Tocantina – O que os grandes veículos de informação estão fazendo para combater as fake news?
Marta Alencar – Os grandes meios de comunicação no país têm trabalhado intensamente para explicar aos seus leitores, telespectadores ou ouvintes o que é uma informação falsa e o que é uma informação verificada. Além de se alinharem com agências de fact-checking para reduzir o volume desinformacional no país.
Região Tocantina – O que os governos, do Brasil e do mundo, fazem para combater esse tipo de informação falsa?
Marta Alencar – A pergunta é oportuna. Nos últimos quatro anos, notamos que o governo de Jair Bolsonaro fez nenhum esforço para combater informação falsa. O ex-presidente se empenhava em compartilhar informações equivocadas durante seu governo. Porém o atual governo tem combatido veemente a desinformação. Em março deste ano, o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva lançou a campanha Brasil contra Fake, com o objetivo de combater a desinformação disseminada nas redes sociais. Além de uma agência do governo, a Finlândia tem várias ONGs e organizações voluntárias que combatem notícias falsas. O serviço de verificação de fatos Faktabaari é provavelmente o mais conhecido deles. A abordagem da Finlândia é ficar à frente da onda de desinformação, e não correr atrás dela. Assim como a Finlândia, Inglaterra, Alemanha e França também promovem várias ações no combate à disseminação de notícias falsas.
Região Tocantina – Para o cidadão comum, que conselhos você daria para se prevenir de fake News?
Marta Alencar – A primeira dica é, ao receber uma informação, verifique se algum veículo de comunicação divulgou. A segunda é não compartilhe se não tem certeza se é verdadeira. Em seguida, analise se não há erros ortográficos. Outra dica: apure se a informação não tem títulos sensacionalistas, como urgente, última notícia ou compartilhe agora, pois pode ser uma desinformação. E outra é verifique se o link compartilhado é de fato da organização ou empresa que compartilha. Faça a verificação, pesquisando o site oficial ou canais da instituição, ligue para a organização se for preciso. E não clique o link compartilhado nas redes sociais digitais sem ter a absoluta certeza de que seja verdadeiro, pois você pode estar clicando em um site falso, criado por golpistas.
Região Tocantina – Você tem um instituto que combate Fake News – o COAR. Como funciona o trabalho dele?
Marta Alencar – A COAR existe há mais de três anos e foi criada em homenagem à Fabiane Maria de Jesus, que morreu em Guarujá (SP) em 2014 por causa de uma informação falsa. Desde então, a COAR tem atuado no combate à desinformação no país, principalmente no Nordeste. E atua com duas frentes: Site (coarnoticias.com) e Podcast E-COAR. Fazemos as checagens de informações e dados que coletamos na internet ou que os nossos leitores sugerem. O trabalho da COAR é voluntário e não recebemos recursos para a produção das checagens, mas gostamos do que fazemos, porque acreditamos que salvamos vidas da desinformação. Atualmente, a COAR tem o apoio do repórter do Rio de Janeiro, Sebasthian Judah. A escolha do nome COAR remete ao processo de produção do café, que se assemelha a um ritual, que envolve desde a escolha do grão de café, do filtro e, finalmente, a degustação. Assim como a decisão de cada ingrediente e o melhor filtro para preparar o café, a notícia passa por um processo semelhante de seleção, investigação, análise e interpretação.
Região Tocantina – Você é professora do curso de Jornalismo. Como trabalha na formação de futuros/as profissionais em relação às notícias falsas?
Marta Alencar – Desde quando ingressei na UFMA, tenho orientado os alunos a identificarem uma informação falsa ou repassado leituras específicas para ajudá-los a serem checadores. Eu tenho visto que eles ficam curiosos em serem checadores e já ouvi de alguns alunos que querem/almejam criar uma agência de checagem semelhante à COAR, o que me emociona e faz eu perceber que meu trabalho aqui, mesmo que em pouco tempo, não tem sido em vão.
Para conhecer o trabalho da COAR, clique nos links abaixo:
https://coarnoticias.com/2022/09/21/coar-ensina-tecnicas-de-checagem-para-criancas-carentes-da-ong-brincando-com-os-livros/https://coarnoticias.com/2020/04/14/verificamos-visao-de-medium-do-rio-de-janeiro-sobre-acidente-na-serra-da-capivara/