Por: Artemisa Lopes (@artemisalopes_) e Laura Zacca (@lauraa_zacca)
São muitos os livros que ficaram famosos por terem romances avassaladores, marcantes, com casais que possuem histórias únicas e épicas. Porém, livros de sucesso nem sempre significam romances bem construídos, saudáveis e que sejam exemplos a serem almejados como um ideal romântico. Na literatura também podemos encontrar relações conturbadas, problemáticas e até abusivas, como veremos mais abaixo.
Uma série de livros juvenil que ficou bastante famosa até os dias de hoje é “After”, de Anna Todd, que recentemente ganhou várias adaptações cinematográficas e conquistou inúmeros fãs ao redor do mundo, em sua maioria adolescentes, que sonham com um romance como o de Tessa e Hardin, o casal protagonista. Na trama, acompanhamos a jornada de Tessa Young na faculdade e sua descoberta sexual após se envolver com o badboy Hardin Scott, um garoto problemático, viciado em álcool e de comportamento agressivo. O relacionamento tóxico já é visível a partir do modo como o casal é formado: a partir de uma aposta em que Hardin é desafiado pelos amigos a tirar a virgindade de Tessa. Mesmo após descobrir sobre a aposta e terminar com Hardin, ela volta a perdoá-lo e continua um relacionamento de vai e vem com ele que se sustenta à base de brigas que sempre acabam se resolvendo na cama. Para piorar, a autora se utiliza do clichê de que a mocinha é a “clínica de reabilitação” para o badboy problemático, incompreendido e de passado triste. Como se não fosse o bastante, Hardin é um personagem que simplesmente não evolui. Na verdade, com o passar dos livros, ele tende a piorar seu comportamento ao ponto de expor a vida pessoal dos dois em um livro autobiográfico, que se torna um best-seller.
Outra saga de livros de bastante sucesso e que também ganhou as telas de cinema, é “50 Tons de Cinza”, de E.L.James, que nos traz mais uma protagonista certinha e virgem, Anastasia Steele e seu par romântico, o CEO controlador Christian Grey. Curiosamente, aqui o romance se inicia através da proposta de um acordo no qual Anastasia deveria se submeter a todos os desejos sexuais de seu mestre, Christian Grey, a là BDSM. Com a recusa de Anastasia em assinar o contrato, Christian se torna um stalker e passa a persegui-la no seu trabalho, na faculdade e até na sua casa e festas que ela frequenta. Quando ele descobre que ela é virgem, isso se torna um “problema” para seus objetivos e ele decide que irá resolver o problema por conta própria, a fim de seduzi-la a assinar o acordo. Assim que eles iniciam o romance, ele passa a controlar todos os aspectos da vida dela: ele compra a empresa em que ela trabalha, vende seu carro sem sua permissão, controla medicações contraceptivas dela, sua alimentação e a proíbe de viajar para ver a mãe. Somado à isso, ele se torna extremamente possessivo, não deixando que ela tenha qualquer tipo de relação com outro homem. Por conta disso, é uma relação profundamente tóxica e abusiva.
A saga Crepúsculo foi um grande sucesso dos anos 2000 e até hoje tem um fandom ativo. O grande hype da saga foi o triângulo amoroso entre a mocinha Bella Swan, o vampiro Edward Cullen e o lobisomem Jacob Black, ambos os interesses românticos problemáticos. O principal interesse romântico, Edward, por sua natureza de vampiro, começa a trama desejando profundamente o sangue de Bella, tendo arquitetado o assassinato dela durante a primeira interação deles, como ele mesmo descreve em “Sol da Meia-Noite”. Após uns dias afastado na tentativa de saciar sua sede de sangue, Edward volta a Forks decidido a se aproximar de Bella a fim de provar a si mesmo que seu desejo do sangue dela não irá prejudicar sua família. Ele passa a stalkeá-la quando percebe que não consegue ler a mente dela. Edward chega a invadir o quarto de Bella para vê-la dormir, seguindo seus passos através dos pensamentos de outras pessoas e até mesmo influenciando as amizades dela. Durante o romance, ele também a proíbe de visitar a alcatéia Quileute. Além disso, todos os problemas que Bella se envolve por estar com ele teriam se resolvido se ele a tivesse transformado em vampira desde o princípio. Ao invés disso, ele nega as vontades dela até o último instante e só aceita transformá-la forçando-a ao casamento. Não obstante, Edward tenta forçar Bella a abortar o bebê que esperava e sugere que ela engravide de Jacob. Falando nele, o lobisomem não fica atrás no quesito de boy problemático. Jacob agarra Bella e a beija à força enquanto ela estava comprometida com Edward, na ocasião, ela chega a socá-lo pelo atrevimento. Ele chega a mentir para Edward, deixando-o acreditar que Bella havia morrido a fim de deixar o caminho livre para ele. Antes do confronto com Victoria, Jacob força uma situação para que durma agarrado à Bella na presença de Edward, fazendo questão de ter pensamentos libidinosos para que o vampiro leia. Após isso, Jacob força Bella a beijá-lo de novo, dessa vez, em troca da promessa dele não participar da batalha contra os recém-criados de Victoria, promessa que ele quebra logo em seguida. Ou seja, o triângulo amoroso é profundamente problemático.
Outro exemplo de relacionamento tóxico é abordado no envolvimento entre America e Aspen, de “A Seleção”, da autora Kiera Cass. Tudo começa quando Aspen força America a se inscrever na Seleção mesmo contra a vontade dela, pois segundo o próprio, ele desejava que ela tivesse melhores chances na vida e não seria ele a impedir isso. No entanto, ele aparece no palácio como um dos guardas durante o período da Seleção para lutar pelo coração dela. Ou seja, ele nunca achou que ela realmente seria selecionada e teria uma chance de subir na vida. Outro problema a ser notado é que Aspen poderia ter resolvido o problema dos dois desde o início do livro, pois se ele tivesse se tornando guarda, ele teria subido da Casta 6 para a Casta 2 em questão de segundos e America, ao se casar com ele, teria ascendido à essa posição também. Ao invés disso, ele a obriga a se inscrever e quando ela é tirada dele, ele encontra uma forma de segui-la e atrapalhá-la. Para piorar, ele decide lutar pelo coração dela enquanto ela participa da Seleção, colocando a vida de America em risco. Mesmo após presenciar a melhor amiga de sua amada ser chicoteada em praça pública por ser encontrada em uma situação semelhante à deles – traindo o príncipe com um dos guardas do castelo -, ele insiste em continuar com os encontros secretos com America, mesmo secretamente estando comprometido com uma das criadas dela. Somente o fato de ele colocar a vida de America em risco, já demonstra como ele não se importa com o bem estar dela, mas com seus próprios interesses e desejos, mostrando como sua relação é abusiva.
Mais uma saga que alcançou popularidade ao ser adaptado por um streaming, é “Bridgerton”, da autora Julia Quinn. O primeiro livro da série “O Duque e Eu”, aborda a história de Dafne Bridgerton e Simon Basset, o Duque de Hastings, cujo romance se inicia com a trope do fake dating, com ambos fingindo estarem apaixonados para assim Dafne atrair pretendentes, já que está sendo cortejada por um duque, e Simon se livrar das mães casamenteiras por estar supostamente comprometido com ela. Os dois acabam se casando depois de um escândalo envolvendo eles. Durante o casamento Simon que não queria ter filhos devido a seu passado conturbado com o pai e não querer passar a sua linhagem adiante, se aproveita da inocência de Dafne acerca das relações matrimoniais para evitar a concepção e ainda mente para ela alegando ser infértil, mesmo sabendo que o sonho de Dafne é ter uma família grande e feliz como a sua. Porém, engana-se quem acha que o relacionamento abusivo é apenas por parte do homem. Aqui, Dafne, após descobrir as mentiras de Simon, se aproveita de uma bebedeira dele para seduzi-lo e consumar a relação até o final do ato conjugal, mesmo com Simon dizendo “não” após ele se dar conta dos objetivos dela. A autora infelizmente acaba romantizando a situação e o casal termina o livro felizes e com filhos, superando as “adversidades”.
Como pudemos ver, por mais que a literatura esteja recheada de casais interessantes e bem construídos, ainda há um nicho que romantiza relações abusivas que acabam se tornando referências de um “romance ideal”. O que acaba se tornando bastante problemático para uma nova geração de leitores que ainda não têm experiência de vida o suficiente para entender que se trata de uma relação tóxica e que, por conseguinte, acabam se inspirando nessas histórias, desejando viver um romance como o deles. O problema existe quando autores retratam relacionamentos abusivos como um ideal a ser almejado ao invés de retratar o relacionamento abusivo como deve ser: um relacionamento abusivo.