segunda-feira, 14 de outubro de 2024

NÃO SOIS HOMEM! MÁQUINA É QUE SOIS!

Publicado em 28 de maio de 2023, às 20:06
Imagem: Homem-máquina. Aquarela/infogravura, 20x15cm. @nertansilvamaia.

Por: Nertan Dias Silva Maia – Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Doutor em Filosofia pelo PPGFIL/UERJ; Mestre em Educação pelo PPGE/UECE; Graduado em Música e em Pedagogia (UECE); Jornalista com registro profissional n. 0001832/MA. E-mail: [email protected].

(Texto inspirado no livro de Arthur Koestler, O ato de criação (1964))

Engenhocas que criamos para imitar a vida evoluíram! E agora, além de imitá-la também podem limitá-la, ou mesmo substituí-la, graças ao sutil e sedutor controle da Inteligência Artificial. Como uma marionete, símbolo atemporal de tudo o que é trágico e cômico na humanidade, o homem arrisca superar seus próprios limites não mais como homem, mas como homem-máquina, ainda que não deixe de ser um mero brinquedo do destino manipulado por seus próprios deuses ou por sua própria ciência.

No vácuo existencial entre a comédia e a tragédia, esse homem, que brinca de ser máquina, tenta conciliar seu eterno conflito ora voltando-se para seu livre-arbítrio e seu senso moral, ora para o determinismo religioso ou científico que ele acredita conduzi-lo, com segurança, à tão desejada verdade.

Este homem tragicômico, apesar de suas máquinas fantástica, continuará sempre em busca de si mesmo, cindido entre o sentir e o pensar, entre o finito e o infinito, entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre Deus e o Diabo, entre o Homem e a máquina.

Porém, o que mais o angustia talvez não sejam as grandes questões de sua vã Filosofia, Ciência ou Religião, mas a sua incapacidade de vir a ser tal qual sonhara ou desejara: um ser da bondade e da verdade.

Como um simulacro, sempre estará a meio caminho desse sonho e desse desejo, pois como homem ou como máquina não conseguirá jamais ser bom, tampouco verdadeiro. Conseguirá apenas ser homem-máquina!

Assim, estará em franca colisão com as matrizes da realidade e da artificialidade que regulam o curso delirante de sua breve história. Diante da impotência do devir, o que lhe restará, como consolo, é assistir-se a si mesmo como um canastrão protagonista de uma breve e melancólica história contada em três atos: o primeiro, o da comédia, quando ri maquinal e desconcertantemente de sua própria desgraça; o segundo, o da tragédia, quando, em lampejos fortuitos de paixão, se compadece humilhado diante de um Deus com a perda de sua humanidade e de sua divindade; por fim, o da ficção sobre sua existência, quando assume incontornavelmente o desafio de tornar real aquilo que somente o mais racional e criativo dos roteiristas de sua ciência é capaz de conceber: tornar o homem máquina.  

4 respostas

  1. Será estimulante “cotejar” (não é bem este o verbo, mas…)
    com as reflexões de KARL IASPERS, em seu GENIO E LOUCURA

    IASPERS, Karl
    Genio y locura
    Madrid, AGUILAR, 1956, 301pp

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