terça-feira, 10 de dezembro de 2024

FRUSTRAÇÃO E DEVIR HUMANO

Publicado em 25 de setembro de 2022, às 19:38
Fonte: Nertan Dias Silva Maia – Professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Doutor em Filosofia pelo PPGFIL/UERJ; Mestre em Educação pelo PPGE/UECE; Graduado em Música e em Pedagogia (UECE); Jornalista com registro profissional n. 0001832/MA. E-mail: [email protected].
Título/Referência: Frustração e devir. Nanquim e aquarela s/ papel Canson, 21x27cm. Nertan Dias, 2022. Imagem fornecida pelo autor.

Eu seu texto O Futuro de uma ilusão (Die Zukunft einer Illusion), publicado em 1927, Freud apresenta as três formas de faltas ou carências por que passa o sujeito: “Para que nos expressemos de maneira uniforme, chamemos de frustração o fato de um impulso não poder ser satisfeito, de proibição a instituição que a estipula e de privação o estado produzido pela proibição”.

A seguir, apresento algumas reflexões sobre a relação entre a frustração e a neurose na constituição do devir do sujeito à luz das ideias de Freud. Conforme o psiquiatra austríaco, a frustração figura como uma variação das satisfações parcial ou totalmente não realizadas mediante uma proibição simbólica – uma castração – imposta por códigos morais da cultura, estabelecidos exatamente para interditar o acesso às satisfações ilimitadas. De um modo geral, a frustração causa no sujeito um estado psicológico de privação capaz de alterar seu ânimo negativamente e levá-lo a reações extremas que vão de retração ou recalque profundo do desejo até atitudes explosivas e mesmo violentas, como formas de reivindicar a realização daquele desejo castrado.    

Para Freud, a proibição não remete simplesmente a algo extrínseco ao sujeito, pois consiste em uma espécie de norma intrínseca à própria ordem cultural, responsável pela constituição da subjetividade humana. Nestes termos, Freud infere que nossa subjetividade é forjada a partir de negações culturais que incidem diretamente sobre nossos desejos, os quais advêm dos impulsos inconscientes de criação e de devir. Ainda segundo Freud, os códigos morais castram muito cedo os impulsos naturais do sujeito, sendo a privação sua condição humana subjetiva dada pela proibição cultural. Assim, no âmbito da civilização, o homem se encontra imperativamente privado da livre expressão e realização de seus desejos e do acesso ao objeto do desejo do Outro, daquilo que Lacan chama de “gozo do Outro”.

A frustração, assim entendida, aparece em dois níveis: como frustração externa, quando remete a um estado de ânimo perceptível, relacionado a um sentimento de impotência diante da “grande recusa” – como diria Marcuse – imposta pela realidade dominante; ou como frustração interna, quando relacionada a contrariedades subjetivas intrínsecas aos impulsos recalcados no domínio do inconsciente, ou na própria consciência, quando tais impulsos se manifestam submissos aos desejos do Outro ou às proibições culturais.

De um modo geral, a frustração traz consigo sentimentos de insatisfação, desprazer e contrariedade, que são originados por causas exteriores e levam o sujeito a desenvolver sintomas neuróticos. No texto O mal-estar na cultura (Das Unbehagen in der Kultur), de 1930, Freud afirma ter descoberto “que uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe, a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidades de felicidade”.

Neste texto, Freud defende a tese segundo a qual a civilização é construída sobre uma renúncia ao impulso de prazer, o que leva a uma não-satisfação deste pela opressão, tornando os homens hostis e infelizes. Ele afirma: “Essa ‘frustração cultural’ domina o grande campo dos relacionamentos sociais entre os seres humanos. Como já sabemos, é a causa da hostilidade contra a qual todas as civilizações têm de lutar”.

Portanto, a neurose é o estado permanente da civilização, uma vez que esta é forjada sob a mais intensa negação dos desejos do sujeito, que é obrigado a viver imerso no conflito original entre seus desejos libidinais e as exigências egoicas, as quais abarcam suas pulsões de autoconservação e os ideais dela advindos e sublimados na religião, nas ciências e nas artes como formas de suplantar as frustrações humanas.

Assim, a frustração relaciona-se à tolerância para suportar o sentimento de desprazer e a ausência de um objeto de prazer externo capaz de oferecer bem-estar ao sujeito em todas as suas dimensões, sejam elas racionais, eróticas, passionais ou transcendentais. Trata-se de um estado psicológico que caracteriza o próprio devir humano, já que à frustração precede a dor como elemento impulsionador do homem como espécie. É na tentativa de superar a dor que o homem desenvolve sua humanidade desde as coisas que produz (entre elas, objetos do cotidiano, a arte e o conhecimento) até aquelas que idealiza como símbolos do que é bom, belo e perfeito, como o pensamento, os desejos, as fantasias e os sonhos.

Nesse sentido, no contexto da constituição humana jaz o eterno conflito entre a libido e o ego: a primeira, oriunda da estrutura primária do sujeito, representando sua energia vital; o segundo, espelhando seu instinto de autopreservação e suas ideias de personalidade. Conforme Freud, a neurose surge no âmbito deste conflito, no instante em que a libido, ao ser privada do sentimento de prazer, tenta subverter as proibições impostas pelo ego. Esta é, pois, a arena em que se enfrentam ego e id, sendo também o espaço mental onde se forma o homem, suas frustrações e consequentes neuroses.

Nesse campo de batalha seguimos como soldados feridos e cambaleantes, tentando sobreviver às custas de um prazer reprimido pelas investidas da realidade que nos impõe censuras, negações e opressões. Nessa vã tentativa do devir humano, nos escondemos atrás de máscaras e vernizes sociais artificiais para parecermo-nos felizes e bons perante a comunidade. Nesta trágica e cômica existência na qual somos jogados, buscamos nos convencer, consciente ou inconscientemente, de que a melhor forma de vida é vivermos como estranhos simulacros de nós mesmo, cuja maior penitência é a eterna busca por uma divinização, por nós idealizada, como ponto de fuga para uma pretensa felicidade, ainda que nas profundezes de nossa superficialidade, nos encontremos em permanente estado de causa e efeito, de dor e frustração, sublimando desesperadamente em nossos mesquinhos afazeres, ações e desejos todo nosso sofrimento em nome do devir de uma humanidade, à qual nunca chegaremos por mais que a busquemos infinitamente.

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