A jornalista Mônica Manir é uma daquelas profissionais que optaram por se dedicar a contar histórias que fogem do lugar-comum, que vão na contramão do lead e da pirâmide invertida (fórmulas clássicas de escrita jornalística, encontradas em qualquer veículo de imprensa). Mônica quer oferecer algo mais ao leitor – uma prosa mais próxima da literatura, que se vale de figuras de linguagem, recursos estilísticos vários, até do olhar cinematográfico; um texto com maior carga de sensibilidade e que, por extensão, cative e agrade a quem está com ele nas mãos. Autora do recém-lançado “Por um ponto final”, livro que reúne uma coletânea de reportagens publicadas no jornal O Estado de São Paulo e na Revista Piauí, Mônica explica, nesta entrevista, um pouco da sua trajetória, dos caminhos que percorre para contar suas histórias, das suas crenças e da defesa de um jornalismo mais próximo da literatura – sem soltar a mão da verdade.
Região Tocantina – Por que você escolheu o Jornalismo Literário?
Mônica Manir – Escolhi o Jornalismo Literário, num primeiro momento, como uma ferramenta para contrapor ao lead tradicional, fórmula de cabeça de matéria que me parecia desgastada e que pouco respondia à complexidade de determinados fatos que eu gostaria de retratar. Não demorei a perceber que não apenas a abertura, mas todos os demais parágrafos da reportagem poderiam ganhar com uma prosa mais trabalhada, densa, detalhista, adjetivada se necessário fosse, capaz de colocar o leitor no centro da cena relatada sem que isso significasse ficcioná-la. Afinal, o jornalista não deve alterar os fatos – mesmo porque a realidade, por si só rica e enigmática, já lhe seria mais que suficiente.
Região Tocantina – Qual é o papel e o espaço do Jornalismo Literário, hoje, no mercado da informação?
Mônica Manir – Não é regra, mas o Jornalismo Literário costuma requisitar mais linhas para perfilar certos personagens e situações. Daí entendo que seu maior obstáculo, hoje, é a falta de espaço no impresso, pelo alto custo do papel, e a falta de espaço também no virtual, pela dedução de que longos textos são abandonados no meio do caminho quando lidos na tela do computador ou do celular. Outro ponto é o mergulho intensivo do repórter em uma matéria especial, que não raro lhe cobra dedicação exclusiva. É bem possível que ele tenha de voltar mais de uma vez ao local dos fatos e entrevistar várias fontes antes de concluir sua apuração – e lá se vai mais um tanto de horas para a checagem e o fechamento do texto num mercado já escasso de profissionais na redação. Não à toa haja pouquíssimos repórteres especiais nos veículos de comunicação. O Jornalismo Literário, porém, continua essencial para contextualizar, por exemplo, cenários complexos, que demandam desenvoltura no olhar e na palavra. Nesse sentido, ele tem encontrado retorno nos romances-reportagens, que permitem ao autor navegar por um tema sem tanto engessamento. A questão é do quê sobreviver enquanto se apura e se escreve uma obra do gênero, que pode levar anos para ser finda.
Região Tocantina – O que você diria a um estudante de jornalismo que queira trilhar os caminhos do Jornalismo Literário?
Mônica Manir – Diria que, em primeiro lugar, ele precisa gostar de literatura. Pode parecer obviedade, mas é uma condição sine qua non que o estudante se deleite com essa arte e que adquira cada vez mais repertório e referências de estilos. Outro ponto é ouvir de fato o que os entrevistados têm a dizer, reservando todo o tempo disponível para isso. O jornalista precisa cativar a fonte com a sua atenção integral. Abreviar conversas por impaciência ou desviar o olhar para outro alguém que pareça mais interessante não só é sinal de desrespeito como pode significar, para o repórter, a perda de uma frase preciosa ou de um dado significativo. A observação, a meu ver, deve ainda rastrear informações paralelas, como a vestimenta do perfilado, seu jeito de sorrir, a forma como pede uma bebida e até como fica em silêncio. Acho também importante observar a cena em que se passa ou se passou o fato com o mesmo cuidado, porém discretamente, como um “observador neutro”, nas palavras de Gay Talese. Tensões e distensões estão ali. Vale treinar as antenas para captá-las.
Região Tocantina – Qual é a história do seu livro “Por um Ponto Final”?
Mônica Manir – “Por um Ponto Final” é uma coletânea de reportagens que escrevi para dois veículos de comunicação: o suplemento dominical “Aliás”, do Estadão, do qual fui repórter e editora; e a revista mensal Piauí, para a qual contribuí como repórter freelancer. São 27 reportagens que comungam entre si a perspectiva de retratar literariamente pessoas e situações no que consegui captar de sua humanidade. Ali trago dilemas bioéticos, como suicídio assistido e aborto, pois Bioética é um dos meus grandes interesses (fiz mestrado e doutorado na área). Mas também levanto dramas do cotidiano, como o de um cuidador de idoso e o da violência entre adolescentes. Mesmo personagens famosos, tal qual Dona Canô, o ex-vice-presidente José Alencar e o ganhador do Nobel da Paz Denis Mukwege, busquei perfilar no que mostravam de mais essencial: a luta pela vida. Vida própria ou vida alheia – como se a alheia nossa também não fosse.
Região Tocantina – Que escolhas estilísticas determinaram a sua forma de contar as histórias que estão no livro?
Mônica Manir – O enredo cinematográfico é uma das minhas fontes, com sua riqueza de detalhes no cenário e na forma de captar a cena. Por vezes, imagino uma câmera ligada quando entro em certo ambiente e vou costurando o roteiro da reportagem na cabeça, imaginando a cena de entrada, a apresentação do personagem central, a chegada dos coadjuvantes, o clímax e a forma como pretendo terminar a matéria. O cinema ainda inspirou alguns títulos que dei às matérias que estão no livro, como Tudo Sobre Minha Mãe e Em Nome dos Pais. Já da crônica absorvo temas do cotidiano, mas busco um toque que prolongue a duração do assunto além da instantaneidade. Por vezes, esse toque é a escolha de uma pauta perene, que sobreviverá ao desgaste da superexposição. E, quando o tema pede a experiência na pele, faço uso de um recurso característico da crônica: a primeira pessoa. A intenção é dividir meus poros com os do leitor.
Região Tocantina – Os textos do livro têm, ao mesmo tempo, uma carga enorme de humanidade e de beleza estilística. Você pode contar como se deu a arquitetura de alguma das reportagens que estão na obra?
Mônica Manir – A reportagem que dá nome ao livro, “Por um Ponto Final”, nasceu de uma nota de rodapé que saiu no Estadão. Tratava de um britânico de nome Tony Nicklinson, que pedia autorização legal para o suicídio assistido. Tony requisitava ao governo britânico o aval para que dessem cabo da sua vida porque dela não podia dispor. Estava impossibilitado pela síndrome do encarceramento, consequência de um AVC sofrido oito anos antes que lhe permitia se comunicar apenas com os olhos. Quando pedi à esposa dele uma entrevista, ela me perguntou se eu mesma não queria falar com Tony por meio de um programa de computador especial. Ele tinha voz, e eu deduzira que não. A entrevista me permitiu entender seus motivos e construir essa história usando como uma das inspirações o filme O Escafandro e a Borboleta, que revela o drama de outra vítima da síndrome do encarceramento, o jornalista francês Jean-Dominique Bauby.
Região Tocantina – Você acredita que a narrativa é essencial à vida?
Mônica Manir – A narrativa é um recurso ancestral na transmissão de lendas, vivências, conhecimento, informação. A partir dela partimos para a ação, certos de que estamos coerentes com algo que alinhavou nossas reflexões. Mas esse alinhavo pede uma fluência que nos cative. Saber introduzir o tema, desenvolvê-lo a ponto de manter a atenção firme do interlocutor, atingir o clímax e concluir de forma arrebatadora, se possível com um tom surpreendente, é uma arte. Uma arte que o jornalista pode praticar no seu dia a dia, para seu prazer como autor do texto e para o prazer mútuo de quem o lê. Não é simples, mas o retorno é inenarrável.
Uma resposta
Belo post, compartilhei com meus amigos.