quinta-feira, 28 de março de 2024

Vou te dar um conselho

Publicado em 7 de abril de 2022, às 19:53
Gold and Silver Chess on chess board game for business metaphor leadership concept

“Eu é que sei da minha história. ” Foram as palavras daquela mãe que ia embora com a filha no colo. A resposta que deu às pessoas que a aconselhavam a ficar. Até que ponto, o conselho que damos ao outro é realmente a coisa certa a ser feita? Ouvi dizer que todo conselho é autobiográfico. Então, isso quer dizer que a resposta dessa mãe foi apropriada, porque, afinal, cada um é que sabe até onde aguenta ir. Cada um é que sabe onde o sapato aperta, como diria minha vó.

As pessoas que se sentem aptas a dar conselhos são interessantes: olha, se eu fosse você. Elas não percebem que já começa errado daí. Não somos o outro. Não conhecemos todas as variáveis envolvidas. As alternativas que passam em sua cabeça e muito menos o que o outro dá conta de fazer. Uma vez um aluno me pediu conselhos no final da aula e eu, apressada entre um turno e outro, respondi: estuda que passa. Não levei em conta que ele, provavelmente, estaria me pedindo ajuda porque não encontrou em outro lugar. Acho que perdi uma grande oportunidade de melhorar sua indisciplina e mau comportamento apenas ouvindo-o.

 Os adultos nem sempre tiram nossas dúvidas, quando somos muito jovens. Talvez nem eles próprios conseguem tirar as deles. Pensando bem, poderia ter dado uma resposta mais embasada cientificamente para o meu aluno: “veja bem, paixão é um estado de demência temporária. Dura alguns meses, no máximo 2 anos. ” Mas também não sei se ia adiantar dizer para ele que ele não ia morrer daquilo. Seria como dizer “olha, durante esses dois anos, apenas vegete em torno dessa pessoa e de outras que aparecerem. Não há nada que você possa fazer. Se eu sobrevivi, você também vai. ” Aí é que tá! Qual a graça de apenas sobreviver? O fato é que o principal eu não fiz. Ouvir. A pressa para criticá-lo e dar lição de moral era tão grande que não parei para ouvi-lo.

  Não sei quem era a outra pessoa, não sei quais eram os sonhos, não sei o que ele gostava de fazer. Não me interessei em saber absolutamente nada. Quando a gente não acolhe a própria dor, como faz para acolher a do outro? Sem ouvir a si mesmo, como faz para ouvir os outros? É mais fácil dar um conselho. Quem não gostaria de ter uma fórmula mágica?  

 “Fique um tempo sozinha, minha filha”. Se ela tivesse me escutado, saberia que eu já estava sozinha há muito, muito tempo. E que tudo que eu aprendi, descobri, vivi, senti e deixei de sentir, foi sozinha. Mas talvez aquele conselho que minha tinha-avó me dava naquele momento nem tinha a ver com ela. Não era autobiográfico. Ela estava me sugerindo fazer algo que ela não fez? Talvez. Ela se arrepende, então, de não ter ficado sozinha? Também não sei.

 Minha mãe dizia que quem tem Deus nunca está só. Eu poderia ao menos ter dito algo assim ao meu aluno. Daria a ele algum fio de esperança. “Fique um tempo sozinho, querido. Quem tem Deus nunca está só”. Estava mais do que claro que ele se sentia sozinho em meio às suas questões e não tinha a quem recorrer. Senão, não pediria conselhos a uma desconhecida.

  Eu, na idade desse meu aluno, tinha um caderninho, um diário que eu anotava tudo que eu não tinha coragem de falar ou perguntar para as pessoas. Era o que me salvava de alguns adultos para os quais eu estava sempre errada. Parei de usar diário aos 17 anos, um ano depois de começar a dar aula. A partir daí fiquei completamente só. Hoje em dia, tenho a crônica e a poesia. São parceiras que, se não fazem passar os conflitos interiores, ajudam a elaborá-los e me fazem entender e transformar muita coisa.

 Se eu tivesse ouvido meu aluno com atenção, eu diria: escreva. Não sei se vai passar tua angústia, mas escreva. Escreva sobre a crise de choro, o medo que sentiu ou faça cartas para quem te faz sentir assim. Guarde tudo por umas semanas e leia depois. Pelo menos ajuda a entender, elaborar e a ressignificar. Quem dera eu pudesse voltar àquela adolescente com seu diário na mão. Diria a ela: nunca pare de escrever. Você não imagina os prejuízos que isso vai te causar. Se reencontrasse meu aluno, eu diria: escreva que passa.

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