Nesse nosso tempo contemporâneo de pandemia, guerras e inflação brasileira, muitas pessoas adoeceram, se desempregaram, pioraram de vida, reviram relações afetivas e sociais, quem pôde iniciou processos psicoterapêuticos, buscou orientações espirituais diversas. No meu caso, eu fui resoluto em continuar minha terapia pessoal de base junguiana, iniciar meu próprio consultório psicoterápico, retomando devagar a prática clínica, com agenda aberta somente para dois dias na semana. Ao menos para pagar a gasolina que chega a sete reais e quarenta centavos, lembro que pagava entre dois reais e meio ou três reais o litro. Ou o botijão de gás de cozinha, que chega a cento e vinte reais, quando eu ainda lembro pagar quarenta reais e já reclamava.
Das leituras, eu li mais na pandemia, me revezando entre o serviço público federal no modo home office, aulas virtuais, reuniões, orientações de discentes. Eu li sobre literatura brasileira, mas principalmente sobre religiões. Esportes, artes marciais, música, cinema, literatura, arte, sexualidades, indígenas, assim sendo um homem dos estudos das humanidades, todas as modalidades de expressão humana me interessam, nossas expressões diversas. Porém o estudo das religiões sempre me interessam desde adolescente.
Como nasci em família que se dizia de base católica, me chamava a atenção o disparate entre o discurso de desenvolvimento espiritual e a incongruência da prática pelas pessoas que militavam tais ideias. Que desenvolvimento espiritual é esse se as pessoas se mostram egoístas, opressoras e agressivas? Indagava eu adolescido. Só muito tempo depois fui entender que as pessoas estão buscando, por isso mesmo necessitam insistir em religarem-se, ainda que demorem uma vida inteira ou se limitem ao que estão aptas a perceber nessa vida.
Também me chamava a atenção as múltiplas expressões sob a égide, ou a cruz, do cristianismo. Na minha adolescência me apresentaram o catolicismo, o qual achei ser a única religião verdadeira, mas depois um amigo me apresentou a religião da sua família, os Testemunhas de Jeová. Essa foi a segunda religião que me apresentaram, e se me lembro bem foi o dísparo inicial para eu me ver completamente envolvido com os temas religiosos: nossa, por que existem os católicos e os testemunhas de Jeová? E, depois: nossa, por que existe o catolicismo, o testemunha de Jeová, o “macumbeiro”? Chegando ao hoje: nossa, por que existe o catolicismo, o testemunha de Jeová, o macumbeiro, o candomblé, a umbanda, o evanagélico, o cristianismo ortodoxo, o batista, o adventista, o assembleiano, o Vale do Amanhecer, a Igreja da Santa Vó Rosa, o espiritismo kardecista?
Anos depois, os mesmos questionamentos ao estudar as religiões orientais, minhas preferidas atuais: nossa, por que existe o hinduísmo, o budismo, o zen, o theravada, o advaita vedanta, o islamismo, a Seicho-no-iê, a Igreja Messiânica, a Tenrikyo, a Oomoto Kyo, a Perfect Liberty, o Terecô, O Tambor da Mata, a Mina… tudo quanto couber no imaginário religioso humano venho me aprofudando, como um bom pós-junguiano clínico. Todas as religiões revogam a si revelações divinas para justificar suas existências. Os livros sagrados foram escritos sob inspiração divina, os sonhos proféticos de fundadores de religiões também, dos Vedas à Bíblia, da Vó Rosa no Tatuapé, em São Paulo, ao Oshieoyasama, no Japão. Todos reividicam para si as revelações divinas de como salvar, restaurar ou despertar o mais alto grau de desenvolvimento pessoal e espiritual neste mundo sangrento, pandêmico e pobre nas divisões sociais.
Dessas últimas leituras, sem dúvida a obra inicial de Mircea Eliade: Yoga-Imortalidade e Liberdade, me tocou muito. Eliade nos explica inicialmente a riqueza espiritual que a Índia nos legou, Os yogis e as yoginis continuam seres excepcionais nessa busca de transcedência da consciência grosseira, rústica e animalesca para uma consciência elevada, cósmica, espiritual. Menos conhecidos, li todos os livros em português, alguns em inglês, sobre as biografias dos principais bikkhus (monges budistas) revitalizadores contemporâneos da Tradicão da Floresta da Tailândia, ou o Dhamma da Floresta. Como puderam existir seres da estatura espiritual do tamanho de Ajahn São, Ajahn Man, Ajahn Maha Bua e Ajahn Chah?
Conclusão, quanto afrouxamento espiritual permitimos acontecer se olharmos com cuidado para a vida desses Ajahns (mestres espirituais, em língua tailandesa), tomando-os como exemplo contemporâneo de real realização espiritual, na contramão de uma teologia da prosperidade e espiritualidades materilaistas, quando esses Arahants (pessoas que alcançaram a iluminação, em língua páli, ou satori, em japonês) contemporâneos só tinham: a tigela de monge mendicante, o manto velho e rasgado e a navalha cega ao final da vida como as suas únicas posses?…