sexta-feira, 29 de março de 2024

SÃO LUÍS EM CENÁRIOS INSÓLITOS

Publicado em 17 de fevereiro de 2022, às 15:03
Imagem cedida pelo autor

São Luís do Maranhão é uma das mais belas cidades do Brasil e do mundo. Não obstante as claudicantes atuações de alguns gestores públicos que não protegeram, preservaram e conservaram as belezas materiais e imateriais da Cidade, ela conseguiu sobreviver aos maus momentos e chegou a um novo século como musa inspiradora de inúmeras produções artísticas em imagem, prosa e/ou verso.

Muitos são os artistas que imortalizaram São Luís nas páginas de suas obras. De Josué Montello a Dyl Pires, passando por Arlete Nogueira, Orígenes Lessa, Alberico Carneiro, Luiz Alfredo Neto Guterres, Wilson Marques, Ferreira Gullar, Stella Leonardos, Luís Augusto Cassas, Manuel Lopes, José Chagas, Jomar Moraes, José Nascimento Moraes (tanto  pai quanto o filho), Aluísio Azevedo, Bandeira Tribuzi, Nauro Machado, Dagmar Destêrro, Carlos Gaspar, Albani Ramos, Jesus Santos, Conceição Aboud, César Nascimento, Alex Brasil, Cláudio Fontana e José Maria Nascimento, entre tantos outros intelectuais, dedicaram parte de seu tempo para demostrarem seu amor, sua admiração e gratidão pela chamada Ilha Magnética.

Quase sempre, porém, o olhar desses artistas é filtrado pelas lentes do telurismo, da imaginação, do amor incondicional ou de irrefreáveis mágoas, o que leva o texto a ser visto como uma espécie de reflexo de determinada época ou de alguma situação de momentânea euforia ou desabafo. Mas, de todas as formas, tais obras servem como registro de como a Cidade foi e é vista por seus admiradores.

Mas há casos em que a Cidade é vislumbrada pelos artistas de modo menos usual, servindo inclusive como cenário insólito, é o caso, por exemplo dos livros O Monstro Souza (Bruno Azevêdo), O Entrevistador de Lendas (José Ewerton Neto) e de Além das Lendas (quadrinhos roteirizados e organizados por Iramir Araújo), todos autores de grande talento e que já contam com uma obra consolidada perante o grande público e a crítica especializada.

As artes, no entanto, vivem em eterna renovação e diálogo constante entre as gerações. Os mais novos geralmente ou se inspiram em seus antecessores ou rompem com eles, mas é sempre possível ver resquícios do estilo e/ou dos matizes de ideias dos autores mais experientes na obra dos mais jovens. Neste início de 2022, pelo menos três trabalhos chamam a atenção por utilizarem o cenário de São Luís em situações insólitas e bastante criativas. Duas dessas produções vieram à luz em forma de quadrinhos: O Tesouro do Poeta, uma história protagonizada por Tobias Salazar, um detetive de baixa renda, com arte e roteiro de Rafa Santos, e Emboscada, que tem como protagonista um cangaceiro conhecido como Escarra Brasa, desenhado e roteirizado por Wagner Elias; o terceiro foi escrito pelo jovem escritor e professor Mauro Cézar Vieira, tendo como título Pulp Maranhense e traz em seu bojo três histórias ambientadas na cidade.

Tobias Salazar, o Detetive baixa Renda

Em uma São Luís habitada por animais personificados por características humanas, o detetive Tobias Salazar, um calango que vive em delicada situação financeira, acaba sendo contratado para resolver um complicado enigma que envolve o poeta Gonçalves Dias e seus espólios. A partir dessa premissa, Rafa Santos coloca o protagonista em uma série de aventuras que acabam envolvendo outros importantes moradores da cidade, como é o caso das bibliotecárias Graça e Clarice; do perigosíssimo Ramón, um mico-leão-dourado que chefia uma gang que fará de tudo para pôr as mãos no tesouro deixado por Gonçalves Dias; o misterioso felino Estêvão, que tenta proteger a cultura, mas que também parece agir em benefício próprio; e de José de Ribamar, um dos herdeiros do poeta romântico, mas quer vive atormentado tanto pela pobreza quanto pelo vício dos jogos de Dominó.

A aventura é empolgante e traz todas as características básicas de uma obra de suspense, investigação e ação. No decorrer do HQ, o leitor também acaba ficando informado sobre a vida e obra de Gonçalves Dias, de forma lúdica e bastante divertida, além de visitar alguns pontos turísticos e de entrar em contado com algumas lendas do folclore maranhense. Trata-se de um trabalho bastante interessante e que une diversos aspectos da cultura do Estado, podendo agradar a leitores de todas as idades e escolaridades.

Escarra Brasa – o Cangaceiro Gentil

Imagine um homem cruel, bastante forte e destemido. Porém, após tomar um chá mágico, ele é levado a apenas fazer o bem, mesmo que isso possa custar a sua vida. Em um futuro distante, quando a região amazônica é vista como uma lenda inverossímil, a água é um bem bastante raro e precioso, alguns catadores de refugos tecnológicos chegam a uma São Luís aparentemente abandonada. A jovem Ellen e seu parceiro Matias nem imaginam que nessa cidade iriam viver sua maior aventura ao serem emboscados pelo bando de Bento Saladino e depois pelo cruel Toni Saladino. A cidade, porém, guarda seus segredos e enigmas, sendo protegida pelo misterioso Darueira e por alguns seres lendários: o touro encantado, a rasga-mortalha e a serpente. Além disso, é ali também o local onde Escarra Brasa pode encontrar o antídoto que o livrará da maldição de só fazer o bem para as pessoas.

Esse trabalho de Wagner Elias, além de descrever de modo bastante enfático as batalhas físicas e morais pelas quais passam as personagens, também alerta para os problemas advindo do descaso do homem para com o ambiente em que vive. O autor deixa claro que o ser humano é parte de um ecossistema e que cada decisão tomada pode afetar toda a população. O cenário decadente da cidade e a presença dos guardiões remete à necessidade de preservação de nossa história, para que as gerações próximas possam ter contato com os momentos áureos de seus antepassados. Trata-se de um trabalho que desperta também a necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre nosso presente.

O Pulp Maranhense de Mauro Cézar Vieira

Mauro Cézar Vieira vem despontado como uma boa revelação tanto no âmbito da pesquisa literária quanto na elaboração de textos ficcionais.  É autor de Manuscritos de Jericó (2015) e de Vida a dois: história para inspirar qualquer casal (2016) e agora brinda o público com Pulp Maranhense, um apanhado de três histórias independentes, a saber: 1) Sinta-se em família; 2) Olhos na escuridão; e 3) Arrastando-se. Embora geralmente não determine uma época específica em cada história, é possível notar uma preocupação com a fidelidade descritiva de ruas praças e demais logradouros da capital maranhense, contudo suas personagens e enredos estão envoltos em uma aura de mistério que se esconde por trás de uma capa de normalidade. Aos poucos, o leitor vai entrando em contato com situações inusitadas nas quais sobressaem ações que remetem tanto ao suspense quanto a uma espécie de tendência apocalíptica, com a presença de vampiros, seres de outro mundo e a tão temida serpente encantada, tudo ocorrendo paralelamente à vida comum da população alheia ao que se passa no submundo da Cidade.

Em seu livro, Mauro Cézar aproveita os enredos para conduzir seus leitores pelos pontos históricos da cidade e aproveita para escancarar as portas de casarões, refúgios aparentemente seguros, e de outros lugares, para mostrar que, de certa forma, que os perigos podem estar em todos os lugares e se escondem até mesmo por trás das mais belas aparências. Livro de leitura interessante e que desperta no leitor a curiosidade de conhecer um pouco mais do centro e dos entornos da Cidade, antes que seja tarde demais.

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Temos acima três exemplos da movimentação artística de um estado que tanto já ofertou a todo o Brasil e que tem tudo para continuar a ser um celeiro de grandes nomes voltados para as múltiplas formas das artes.

E a Cidade possivelmente deve sentir-se orgulhosa dessas pessoas que se empenham em mostrar que o inusitado também pode vir revestido de talento e de arte.

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