quinta-feira, 28 de março de 2024

A peleja de Tião Vaqueiro com um doido

Publicado em 9 de janeiro de 2022, às 18:32
Imagem: Internet

Típico sertanejo, daquele pau para toda obra e sempre com uma boa história na ponta da língua, Tião Vaqueiro era a alegria daquela pequena comunidade do Cerrado brasileiro. De todas as atividades gabava-se de ser um grande corredor de vaquejada.  Acumulava vários prêmios e com eles já havia iniciado uma pequena criação de gado nas terras, herdadas do pai. Embora fosse uma espécie de rei das pistas de vaquejada da região, o povo gostava mesmo era das (e) histórias contadas pelo vaqueiro. Tinha um jeito peculiar de contar os causos, dos quais quase sempre era ele o protagonista. Se durante a narrativa surgia alguma dúvida sobre a veracidade dos fatos, tudo ia logo embora com as intermitentes gargalhadas dos ouvintes e as estórias se transformavam em histórias.

Assim, é que num desses dias que a turma se reúne para gelar a goela e esquentar o buxo com carne assada, entre um gole e outro, Tião danou-se a contar seus causos. Caboclo destemido, derrubou onça preta pela orelha, pegou Jacaré pelo rabo e  atravessou um rio cheio de piranhas só para impressionar uma pretensa namorada. O homem teria brigado até com uma cascavel, que caiu na besteira de picá-lo. Contou ele que a picada da danada não lhe causou nenhum desconforto. Aconteceu foi o contrário: 

-Depois que ala me picou, tá vendo?  Dei um salto mortal, fiz o sinal da cruz, e a serpente caiu mortinha ali, na minha frente –  contou.

Naquela pequena cidade do Cerrado brasileiro as histórias do Tião Vaqueiro, vira e mexe, são contadas e recontadas. Uma delas foi narrada a mim por um sobrinho dele. Nada de briga com onça, cobra ou piranhas.  A história, segundo o narrador, foi como seu atilado tio, depois de infrutíferas tentativas por parte do médico e de uma família da cidade, “convenceu” um amigo a se internar numa clínica psiquiátrica da capital. 

A história é a seguinte:

O jovem senhor, cujo nome de batismo era Patrício, pertencia a uma boa e tradicional família da comunidade e havia cismado que era delegado da Polícia Federal. Vestia-se todo de preto.  Punha um bonito boné onde estava bordado um P e um F e, por nada no mundo, se separava de uma bolsa tipo pochete, que avolumava com uma pedra. Queria convencer a todos que era delegado, e que andava sempre armado.  Até uma insígnia da PF, não se sabe onde, ele conseguiu para completar o figurino.

Por conta das suas “batidas e investigações de suspeitos” na região, além de uma vez ter sido preso por falsidade ideológica, Patrício já havia levado vários tabefes. Determinado dia ele foi parar no Hospital, depois que tentou abordar um automóvel na rodovia que corta o lugar e acabou atropelado. * por um automóvel.*

Alguns moradores achavam engraçado e o coitado do “delegado Patrício” era, por vezes, ridicularizado. Outros lembravam que ele era de boa família e precisava mesmo era de tratamento.

Ainda tem jeito–  argumentavam.

Mas o problema era “o delegado” aceitar ir até a capital para se consultar do juízo. No menor indicio de algo dessa natureza ele se acovardava. O homem fugia e, para desespero da família, passava até uma semana sumido.

Foi aí que, num desses sumiços do “delegado Patrício”, um dos seus  parentes  ratificou que aquela situação precisava ser resolvida e somente uma pessoa da cidade seria capaz de convencê-lo a ir até a capital. Esse alguém era Tião. E, assim, o inteligente vaqueiro foi procurado  e aceitou o desafio.

-Rapaz! Uma cabra que nem eu que já brigou com onça e jacaré, foi picado por cobra cinco vezes, se não conseguir levar um doido desse para capital, é melhor mudar até de nome-   gabou-se Tião.

Foi então que o vaqueiro encontrou o delegado falando sozinho a caminho de casa.  Aproximou-se sorrateiramente e, antes que ele dissesse qualquer coisa, foi logo interrompendo:

-Delegado Patrício, pelo amor de Deus, só o senhor pode me ajudar a resolver uma situação complicada na minha vida!  Ninguém é tão corajoso que nem o senhor pra isso, me ajude! –

Ao ouvir Tião, o delegado estufou o peito e todo empoderado foi pra mais junto dele.

– Conte logo a história, homem de Deus , vou lhe ajudar. Desembuche! –

Na hora Tião inventou o caso da mulher que tinha sido internada à força numa clínica na capital e que precisava ser resgatada de lá. Ela era sua esposa.

-Só o senhor é homem suficiente para ir comigo e trazer minha mulher de volta, delegado-  reforçou Tião.

Se é assim,  vamos lá. Quando,  e  que hora,  é a viagem? Respondeu de pronto o “delegado”

A história poderia acabar bem aí, sem problema, mas ainda não acabou.

A viagem foi marcada para a meia-noite do dia seguinte. Tempo suficiente para providenciar o encaminhamento clínico do “delegado/paciente”, o transporte, enfim, o necessário para o deslocamento até a capital. Antes porém,  mais uma providência:

-Delegado,  nossa viagem é longa. Precisamos nos manter acordados até lá. Melhor tomar uma injeção pra gente não dormir.

Tião já havia combinado no Hospital que ele tomaria um medicamento de faz de conta. Já para o delegado tinha que ser de verdade, que era para ele dormir a viagem inteira e não ter nenhum  problema. E assim aconteceu.

“O delegado” só foi acordar na entrada da capital. O desafio agora era formalizar a internação dele sem estresse. Era preciso pensar em algo assim que chegasse à  Clínica.

A internação

O estabelecimento estava lotado. Umas cem  pessoas.

– Delegado, chegamos!  Fique bem aqui de prontidão que posso lhe acionar a qualquer momento. Não podemos sair daqui sem minha mulher-

-Combinado parceiro- disse Patrício, que naquele momento tinha acrescido mais um item ao seu  figurino: óculos escuros.

Tião se aproximou do balcão. Mostrou o encaminhamento para a secretária, fez um breve relato da situação, mas não adiantou muita coisa.

-Desculpe, senhor. Tem muita gente para ser atendida na sua frente. O senhor vai ter que aguardar.

-Minha senhora, estou lhe dizendo que a situação é grave-

– Nada feito, o senhor terá mesmo que esperar a vez! –

Desapontado, Tião fez cara feia, encarou a secretária, disse que precisava voltar para sua cidade ainda naquele mesmo dia, mas ela não deu a mínima.

Antes de retornar ao local onde havia deixado “ delegado”, o vaqueiro teve uma ideia para apressar a internação.

-Doutor Patrício é o seguinte: eles não querem entregar minha mulher. É o jeito a gente tirar ela na marra. Eu não posso, mas o senhor que é delegado pode ir lá e botar moral.

-Se é só isso que falta, é para já meu parceiro! –

O delegado então atravessou todo o saguão da recepção e ao chegar no balcão abriu a pochete, de onde tirou a pesada pedra que sempre carregava e a arremessou sobre a mesa de vidro, logo despedaçada.  O ato, como era de se esperar, causou o maior furdunço na clínica.

-Aqui é o delegado federal Patrício. Vim aqui buscar a mulher de um amigo que está internada e não vou sair daqui sem ela. Me entreguem a mulher agora, ou tem gente que vai se dar mal-

Imagine a confusão que se formou. O corre-corre foi grande. A secretária que havia dito a Tião que ele teria que esperar a vez estava sem nem um pingo de cor na cara, petrificada que ficou.

Não demorou muito apareceram dois armários em forma de segurança que imobilizaram o delegado e lhe deram um sossega leão. Com a aplicação do remédio, a valentia dele acabou naquele instante.  Só assim foi possível internar o delegado, o Tião completar a missão e voltar para casa contando vantagem.

O tempo passou. Meses depois o delegado recebeu alta e voltou para sua cidade. Não totalmente curado, contudo controlado, sociável e mais vigiado pela família. De vez em quando ela sumia, mas sempre retornava.

 A figura do delegado ficou para trás, no entanto de vez em quando surge na cidade a notícia de um estranho padre “fazendo desobriga” nas fazendas da região, celebrando missas, fazendo batizados e casamentos.

Tião continua no mesmo lugar correndo vaquejada, brigando com onça e cobras, segurando jacaré pelo rabo e atravessando a nado rios cheios de piranha e contando suas histórias, embalado pelas gargalhadas dos amigos.

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