quinta-feira, 28 de março de 2024

UM PERFIL (POSSIVELMENTE) VERDADEIRO DE SAMUEL MARINHO

Publicado em 19 de novembro de 2021, às 18:43
Imagem: Editora Penalux

Por força do hábito, sempre que chego a minha casa, dirijo meu olhar para a caixa de correios que fica incrustrada na parte interna do muro. Geralmente ali sempre há alguma peça publicitária oferendo algum produto ou serviço, as famosas e persistentes contas deixando claro que tenho de trabalhar mais, mais e mais; vez ou outra tenho o prazer de encontrar uma cartinha amigável de pessoas queridas. Mas o ápice da alegria é quando avisto ali um envelope contendo as formas retilíneas de um livro.

Foi isso que aconteceu na terceira quarta-feira deste penúltimo mês de nosso ano de 2021. Cheguei do serviço e ali, quietinho, aguardando-me estava o envelope pardo cujo remetente era o poeta Samuel Marinho, a quem não conheço pessoalmente, mas do qual já tive o prazer de ler diversos textos. Trata-se de um poeta ainda jovem e que sempre demonstrou habilidade no manejo com as palavras e que vem publicando em livro individual desde 2001, quando lançou o volume “Pequenos poemas sobre grandes amores” e que depois de uma pausa na qual aparentemente se nutriu de mais leituras, de mais contatos com outros poetas e da inevitável necessidade de continuar escrevendo e ruminando seus textos, voltou em 2018 com “Poemas in outdoors” e no ano seguinte prosseguiu sua sina de poeta com “Poemas de última geração”.

Agora, quase no final de 2021, chega às minhas mãos suas “Fotografias para perfis fakes” (Penalux, 146 páginas), com capa e projeto gráfico de Cíntia Belloc e com ilustração de capa do habilidoso e sensível artista Felipe Stefani. Nem mesmo é preciso abrir o volume para se perceber que se trata de mais um bem elaborado trabalho gráfico da editora Penalux, que vem se especializando tanto pelas edições de alto nível estético quanto pelo potencial dos escritores que publicam por essa casa editorial.

Mas é sempre necessário ir além das aparências e mergulhar nas páginas do livro e nas palavras do autor para dialogar com os textos. Sempre pulo o prefácio dos livros. Prefiro lê-lo após o término da leitura. Logo chama minha atenção o poema inicial, intitulado “Foto de perfil”, no qual está eternizada uma inquietante verdade a chamar a atenção para o fato de que:

ultimamente

        – não é de hoje –

        máscaras são

                     o nosso medo de

                                de ser (pág. 15)

É possível notar então que não se trata de um trabalho aleatório, mas sim de uma obra planejada em todos os seus detalhes, com poemas curtos em diálogos com prosa poética, textos de maior envergadura e mesmo com páginas que exploram a visualidade em consonância com a temática escolhida, como é o caso de “Superlua” (pág. 67). Ao longo da obra, o autor conduz o leitor por um labirinto poético no qual tudo pode ter o sabor de verdades pessoais ou ideológicas, pós-verdades, de Fake News, de supostos deslizes ou mesmo de hipotéticas crenças elaboradas por olhares que recebem e compartilham ideologias.

 Aos poucos, o leitor é conduzido por esse labiríntico mundo virtual vertido em poesia e acaba se deparando tanto com momentos em que a ludicidade ganha uma projeção capaz inclusive de eclipsar a realidade, quanto com os questionamentos sobre os múltiplos e indecifráveis interesses que se ocultam por trás de algoritmos que se escondem por trás de um teclado e de uma tela, mas que interferem diretamente nas relações sociais e pessoais.

Como quase tudo nesse mundo poético/visual pode fazer parte de uma bem (ou mal) ensaiada representação na qual as máscaras tomam o lugar de lágrimas e de sorrisos, neste livro de Samuel Marinho há espaço inclusive para um “making off”, lembrando que:

vida não se nivela

        felicidade não cabe na tela

        feed não é novela (pág. 97)

Ao terminar a leitura dos poemas e relembrar em várias páginas do livro as tantas encruzilhadas pelas quais passamos ao longo dessas décadas dominadas pelas “verdades” impostas pelo mundo virtual e que ganharam repercussão mundial, volto para o prefácio muito bem escrito pelo também poeta Fernando Abreu, no qual ele diz que “neste novo livro, Samuel Marinho lança um olhar irônico e desconfiado para termos como pós-humano, pós-verdade e outros conceitos da hora”. Não há dúvida de que o autor do livro navegou com sucesso pelos mares da ironia. Ele sabe que a palavra pode tanto ser usada como escudo de defesa e como lança de ataque contra situações que nem sempre são fáceis de delimitar.

Para completar o périplo pelas páginas do livro “Fotografias para perfis fakes” chamam atenção os dois posfácios assinados por Paulo Rodrigues e Bioque Mesito, dois dos grandes nomes de nossa poesia contemporânea, que destacam a maestria com que Samuel Barreto discute temas e nuances que muitas vezes fogem ao comum.

Trata-se de uma leitura agradável e que invariavelmente deve levar o leitor a várias reflexões acerca dessa chamada pós-modernidade, na qual o tudo pode ser nada e o vazio pode se travestir de verdade absoluta. Temo apenas que, com o passar dos tempos e as rápidas mudanças de pensamento, alguns poemas do livro possam ser tomados como datados, não por culpa do escritor, mas por conta de alguns olhares enviesados que já podem estar acostumados com as (in)certezas ditadas por seres sem rosto ou, talvez pior, por seres com vários e dissonantes rostos que teimam em transformar perfis fakes em arautos de verdades convenientes.

            Mas, como:

a grande verdade

de quem se entrega à poesia

é nunca saber de fato

o que é realidade

ou fantasia (pág. 116)

pode-se dizer que esse livro de Samuel Marinho é um dos mais belos registros de um momento no qual um pensamento pode ser visto como uma ameaça a sistemas solidificados em uma multicolorida e ilusória bolha de sabão, também virtual.

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