quinta-feira, 28 de março de 2024

O QUE FALTOU A FOLHA DE S. PAULO DIZER (OU: POR QUE UMA NOVA UNIVERSIDADE FEDERAL PARA O MARANHÃO)

Publicado em 25 de outubro de 2021, às 9:00
Imagem: Freepik

Em tempos de extrema polarização social, como o que estamos vivendo hoje, há, em geral, o sacrifício de muitos aspectos saudáveis da vida – e um deles, talvez o mais importante para o estabelecimento de uma mínima razoabilidade nas relações, é a verdade. Na sanha por “sequestrar” a verdade, fragiliza-se a verdade – à direita, à esquerda e ao centro. E, com isso, claro, todos perdem – todos perdemos!

A matéria do site da Folha de S. Paulo da noite do domingo passado é uma boa prova disso. Sob o título “MEC prepara projeto para criar cinco universidades em redutos do centrão” ( leia aqui: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/10/mec-prepara-projeto-para-criar-cinco-universidades-em-redutos-do-centrao.shtml ), a reportagem traz dados, estatísticas, extratos de vozes que, ao fim e ao cabo, deixam claro que todos os projetos de criação de novas universidades e institutos federais estão maculados com o tom da negociata política. Enfim, e em resumo: é o pagamento do governo federal ao centrão pelos favores que este faz àquele.

Tese boa, tese demonstrada.

Mas faltou à Folha dizer algumas coisas. Coisas que, ou não sabia ou não quis dizer. E, por isso, acabou por construir uma verdade canhestra.

Faltou à Folha dizer, por exemplo, que nem todos os dirigentes de IFES são contrários à criação de universidades. Na matéria, o jornal faz questão de trazer as falas dos gestores que não apoiam a criação das universidades. Mas, estranhamente, deixou de fora o fato de que a UFMA aprovou, no seu Conselho Superior (a instância máxima deliberativa da universidade), no dia 24 de setembro de 2020, uma “Moção de Apoio à Criação de uma Nova Universidade Federal do Maranhão”, que foi transformada na Resolução Consun 326. Nem precisava, para saber disso, ouvir a Assessoria de Comunicação da universidade ou o seu reitor – só precisava “dar um Google” que achava; é o primeiro resultado que vem quando se coloca “Moção de apoio da Ufma à criação de uma nova universidade federal no Maranhão”.

Também faltou ao jornal paulista destacar que, em muitos desses atos de criação de novas universidades federais e institutos, está embutida uma luta de muitos anos das comunidades universitárias pela busca de autonomia – principalmente, autonomia financeira. Também, no caso do Maranhão, bastava aos repórteres digitarem, entre aspas, “Ufama” no Google, que encontrariam ao menos dez matérias que noticiam os passos do Movimento Nova Federal Maranhão – um coletivo de professores, técnicos e estudantes, dos câmpus de Imperatriz, Grajaú e Balsas, que desde 2020 vem trabalhando em prol da bandeira da criação de uma nova universidade federal para o Maranhão. E, se quisesse ser ainda mais profundo, o jornal poderia ter buscado para saber que, no caso maranhense, esta luta remonta, pelo menos, a outros três momentos: ali por 2017, quando o então deputado federal Deoclides Macedo trabalhou na Câmara Federal para fazer avançar o projeto da Ufmasul; ou antes disso, ali por 2005, quando a então senadora Roseana Sarney movimentou o mesmo tema, lutando pela criação da Univat (Universidade Federal do Vale do Tocantins); ou mais para trás ainda, quando se propôs, em 1996, a criação da Ufpam (Universidade Federal da Pré-Amazônia). Todos esses movimentos estão também registrados  na internet, bastando “dar um Google”– exceto o da Ufpam, que me foi encaminhado pelo colega professor José Geraldo da Costa, o primeiro diretor do Campus da Ufma em Imperatriz.

Também faltou ao jornal centenário deixar claro que esses projetos de universidade não criam cursos novos, mas já nascem, muitos deles, com uma estrutura consolidada em termos de graduação e pós-graduação. É o caso do projeto da Ufama, que, caso seja criada, vai se desmembrar da Ufma e ficar com a sua estrutura de móveis, imóveis, pessoal técnico, docentes e, em funcionamento, nada menos que 15 cursos de graduação, 5 cursos de mestrado e 01 curso de doutorado – e nada menos que 40 anos de funcionamento, no caso do câmpus de Imperatriz.

E, para aqueles que acham que a divisão, como apregoa o jornal, é um casuísmo sem o menor sentido, apenas para atender a interesses políticos e deixando de levar em conta que a autonomia financeira é fundamental para o desenvolvimento de muitos desses câmpus, eu cito apenas  o caso, muito parecido, da criação da Uemasul. O que era a Uema em Imperatriz e o que é a Uemasul hoje, cinco anos depois de desmembrada e de ser uma nova universidade. Há uma diferença qualitativa visível. Mas talvez não valha a pena ver, para reforçar a tese do casuísmo… (Nota explicativa: a Uema, na época da criação da Uemasul, também se posicionou cautelosa e “surpresa”, como diz a sua Nota Oficial, publicada em 27 de setembro de 2016  – veja aqui: https://www.uema.br/2016/09/nota-de-esclarecimento-sobre-o-projeto-de-lei-de-criacao-da-uemasul/ . E, vale registrar, na época da criação da Uemasul, eu fui um dos que vieram a público defender o projeto, porque acreditava, como escrevi num artigo para o extinto jornal Correio, que melhor seria para os câmpus da uema da região sul-sudoeste do estado virarem uma nova universidade com baixo orçamento do que ficarem ainda vinculados a ela sem orçamento nenhum. Autonomia financeira é a chave do sucesso para qualquer pessoa ou instituição. O tempo provou que eu estava certo).

O jornal cita, tangencialmente, o caso da Ufdpar, universidade recém-desmembrada da Ufpi e que fica em Parnaíba. Citou para, por meio de declaração do reitor da Ufpi, dizer que o processo de desmembramento deixou pontos negativos. Mas talvez fosse mais efetivo ouvir os reitores das universidades recém-desmembradas, nos últimos 5 ou 10 anos, para saber o que eles pensam desse desmembramento; ou ainda para verificar, por meio de quem as gere e de professores, técnicos e alunos, como estão essas universidades, depois da divisão.

Há ainda muitas outras questões que talvez valesse a pena enfocar, como o ganho, em termos de desenvolvimento, para as regiões onde essas universidades e institutos vão se instalar; a potencialidade que elas têm para gerar, num médio e longo prazos, novos cursos, a partir dos arranjos produtivos locais; a dificuldade que muitos desses câmpus sentem em viver vinculados e sem autonomia a reitorias que, no caso da Ufma, distam às vezes perto de 1.000 quilômetros deles – caso clássico da distância entre Balsas e São Luís.

Quem vive a realidade sabe mais do que quem apenas ouviu falar dela. E quem vive as realidades deveria ser ouvido antes de todos, para se colher, no caso do jornalismo (sobretudo aquele feito à guisa de reportagem, dentro dos critérios que nos ensinam os manuais, inclusive os da própria FSP), o melhor retrato, a melhor “verdade dos fatos”.

Mas o jornalismo, antes de ser uma técnica, é um discurso. É como nos ensina, sabiamente, o velho e sempre atual Foucault: o discurso é uma ferramenta de poder. E, na luta pelo sequestro da verdade, que gera poder, em tempos de hiperpolarização, o discurso também é construído para atacar. E, nessa sanha de gladiadores, todos perdem – todos perdemos…

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