Região Tocantina – Qual é a importância do brincar na infância?
Karla Bianca – O homem é essencialmente lúdico. Assim como as necessidades vitais de alimentação e proteção está a brincadeira como algo inerente ao ser humano. Durante a brincadeira, a criança ingressa em um processo de socialização, desenvolvendo competências e habilidades afetivas cognitivas e sociais que vão contribuir para a constituição da personalidade e o pleno desenvolvimento infantil. As ações lúdicas fazem parte do processo natural de aprendizagem das crianças pequenas e, a partir delas, a criatividade, a criação e construção de conhecimento das crianças é realizado de maneira mais prazerosa, espontânea, tendo significado para o universo infantil.
RT – Pedagogicamente, as escolas trabalham o brincar na infância?
Karla Bianca – Infelizmente, ao longo de nossa história, podemos observar a diminuição dos espaços para o brincar. A ampliação da indústria do brinquedo, a televisão e as redes sociais, assim como a falta de tempo dos pais, têm afastado as crianças de sua principal atividade: a brincadeira. Interessante notar que, mesmo sabendo da importância da ação do brincar, das brincadeiras e dos brinquedos para o desenvolvimento integral das crianças, ainda persistimos em deixar nossos espaços organizados sem nenhum estímulo para elas, faltam espaços públicos de qualidade para a brincadeira livre e, em geral na escola, as brincadeiras tornam-se muito mais atividade educativa gerida pelo professor do que propriamente um espaço para um brincar livre e espontâneo. Sabe-se que no cotidiano escolar, o recreio é o principal e, às vezes, o único momento onde se pode brincar livremente, a hora mais esperada pelas crianças, provavelmente porque elas têm a oportunidade de brincar sem compromisso algum com a professora e seus objetivos de aprendizagem. Contudo, existem muitas formas de explorar o brincar no cenário educativo. A valorização da brincadeira na escola implica o reconhecimento da cultura lúdica, do jogo e da brincadeira e suas implicações educacionais. Planejar ações e projetos pedagógicos em uma perspectiva lúdica a serem desenvolvidos na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental é uma das principais demandas da formação em Pedagogia.
RT – O Curso de Pedagogia da Ufma Imperatriz tem preocupação com o brincar?
Sim. O Curso de Pedagogia da Ufma/CCSST em Imperatriz possui, em sua proposta curricular, duas disciplinas que discutem o brincar e a ludicidade em suas diferentes dimensões, são elas: Ludicidade e Educação e Corporeidade e Educação que, além de ofereceram os aportes teóricos, oportunizam práticas pedagógicas no ambiente da brinquedoteca. Além destas, desde o primeiro período do curso, o brincar é objeto de reflexão na disciplina de psicologia e, posteriormente, nos Fundamentos e Metodologias de Ensino. Não obstante, a isso, o Curso realiza o projeto de extensão “Semana Mundial do Brincar” que consiste em uma semana de mobilização promovida em diferentes países, inclusive no Brasil, a fim de que sejam realizadas brincadeiras abertas para a comunidade, palestras e ciclos de debates, sempre com o tema do brincar. Em Imperatriz, mobilizamos uma ampla reflexão sobre o tema com a colaboração de diferentes profissionais, assim como a vivência de brincadeiras com crianças de escolas públicas de Imperatriz.
RT – Quais prejuízos podem ter crianças que não brincam?
Karla Bianca – A criança que não tem a oportunidade de brincar e explorar o meio pode apresentar muitas dificuldades nas funções motoras para executar diferentes movimentos, tais como: engatinhar, andar, coordenação motora, além da própria cognição no que se refere à aprendizagem da fala, leitura, compreensão e escrita. Outro aspecto de grande relevância refere-se aos prejuízos nas habilidades sociais, uma vez que as crianças podem apresentar apatia, baixa criatividade, problemas no convívio social, dificuldades em dividir, esperar e imaginar, dentre outros prejuízos.
RT – Que caminhos deve seguir uma pessoa que se interessa por estudar o brincar?
Karla Bianca – Penso que o ponto de partida para qualquer reflexão sobre o brincar deve iniciar com o resgate da sua “criança interior”, isto é, uma busca por suas memórias de infância (o que te faz rir, o brinquedo favorito, o amigo imaginário, cheiros, cantigas, brincadeiras de rua…) trazer suas memórias afetivas a fim de compreender de que maneira a brincadeira tocou e marcou seu desenvolvimento. Esse movimento, sem dúvida, será o mote para os estudos e aprofundamento sobre o brincar. A partir daí, buscar os principais aportes teóricos na área tais como: Piaget, Vygotsky, Wallon, Brougère, Huizinga, Winnicott, Kishimoto, dentre outros, que colaboram na construção de um referencial teórico-metodológico capaz de colocar as experiências lúdicas como atividades centrais para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Por fim, e não menos importante, chegamos na experiência, isto é, permitir-se enveredar pelo caminho da ludicidade com as crianças ao seu redor (filhos, parentes, alunos…), a fim de que a práxis pedagógica aconteça e a magia do brincar se transforme em elemento de formação e construção da prática docente.
RT – Podemos dizer que uma criança que brinca é uma criança mais feliz?
Karla Bianca – Partimos do pressuposto de que o brincar e o movimento são necessidades vitais para o desenvolvimento das crianças, tanto quanto sono e alimentação. Sendo assim, é fácil supor que a criança que brinca é muito mais feliz. O ato de brincar proporciona alegria, diversão, interações. Para Brougère (2008, p. 61), “a brincadeira não se origina de nenhuma obrigação senão daquela que é livremente consentida, em busca do prazer que a atividade proporciona”.