sexta-feira, 29 de março de 2024

VIDA DE IMIGRANTE

Publicado em 3 de março de 2021, às 17:47
Imagem: Freepik

Um dia normal, chuvoso. O céu sempre nublado da cidade carrega a rotina de milhares de pessoas. Acordar, estudar, trabalhar, ir para algum pub tomar pelo menos uma pint (copo de cerveja com aproximadamente 500ml), voltar pra casa, dormir e no dia seguinte começar tudo de novo.

Dublin, a capital irlandesa atualmente é um dos maiores destinos para brasileiros que desejam fazer intercâmbio no exterior. Sua facilidade em conseguir um visto, o preço “acessível” e a grande comunidade já existente lá motivam cada vez mais estudantes a irem desbravar as montanhas verdes da terra de São Patrício.

A ilha, em si, enche os olhos. Mesmo com o tempo sempre fechado, a magia está lá, a cultura, as festas, as paisagens lindas que inundaram uma tremenda quantidade de filmes confortáveis. Mas embaixo de tudo isso existe aquela realidade que normalmente não é retratada ou vista.

A imensa quantidade de imigrantes no país faz com que seus residentes não fiquem tão felizes com essas novas pessoas que “estão indo roubar seus empregos”, “roubar suas mulheres”, “interesseiros” que só fazem o índice de desemprego de irlandeses aumentar. O que talvez eles não lembrem é o alto fluxo migratório que os mesmos fizeram nos anos 1900, para a Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Canadá, entre outros.

O número de imigrantes atualmente na Irlanda é de quase 13% dos aproximadamente 5 milhões de pessoas na parte sul da ilha. Os quais eu lhe garanto, em sua maioria, não têm uma vida fácil.

Particularmente, não é nem justo eu reclamar da minha vida lá. Eu, branca, privilegiada, consegui um emprego fácil e rápido. Meu visto aprovado em minutos que cabiam em uma mão. Apenas uma única vez, eu ouvi o famoso “volta para o seu país, estamos cansados de vocês”. Mas e os amigos e conhecidos?

É um grande absurdo todas as histórias e vídeos que vimos sobre o que um imigrante, principalmente brasileiro, tem que passar lá. Os grupos de adolescentes rebeldes que estão sendo introduzidos no mundo das drogas, adoram confusão, medo e tentar agredir brasileiros que muitas das vezes só estão voltando do trabalho. De roubar bicicletas, que o brasileiro trabalhou pelo menos 15 horas para poder comprar uma (lembrando que o permitido por estudante é 20 horas semanais).

Atualmente, eu moro na Austrália. Por ainda fazer parte dos grupos em redes sociais, meu feed está sendo inundado com notícias sobre um adolescente que tentou roubar a bicicleta de um entregador de aplicativo, e dois brasileiros viram. Isso gerou uma briga entre eles e alguém tinha um perfurador. Assim, temos três pessoas gravemente feridas indo ao hospital, a morte de um “herói” da comunidade e a prisão de um imigrante.

Imigrante o qual, pai de família e marido, só tentava trazer sustendo para os filhos nessa vida de morar no exterior que já é tão difícil, e acabou assassino. Nesse momento, o caos está instaurado. Olho por olho, dente por dente. O objetivo agora é matar um dos nossos para compensar a morte do deles.

Mas no final tudo isso vale a pena? Vale a pena julgar alguém por conta de onde veio, ou pelo que faz? Por sua personalidade ou por seus defeitos? Eu também sei que nesse momento eu estou pintando o brasileiro como coitado, mas a gente também lembra de todo o preconceito que nós mesmos destilamos quando os venezuelanos vieram para cá? Refugiados, chegando pelo sul. Refugiados africanos.

No final das contas, mesmo com a xenofobia, mesmo com a diferença cultural, fronteiras são meramente políticas. Somos todos humanos, ninguém é diferente de ninguém. Se nós nos permitíssemos, quantos benefícios poderíamos tirar dessa mistura com o outro?

A gente só precisa lembrar que, muitas vezes, somos parte dessa cadeia de preconceito, ao redor do mundo, com muitas nacionalidades que só têm uma cultura diferente da sua e que só quer uma vida melhor, como o seu amigo também quis quando foi tentar desbravar a vida na Europa.

O que nos resta? Rezar. Rezar pra esse homem de família e todos os outros que moram fora, rezar para que nós mesmos possamos quebrar o ciclo do preconceito e passar isso adiante.

3 respostas

  1. Que texto maravilhoso! Sou amiga e converso com a autora de vez em quando. Sempre recebo relatos corajosos e reclamações legítimas. Mas ela sempre consegue me surpreender, seja por um texto bem escrito, direto e sincero como esse, seja pela força e determinação em encontrar o seu lugar, seja onde for. Obrigada pela partilha!

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