sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

UM LIVRO DO CARVALHO

Publicado em 7 de fevereiro de 2021, às 9:44
Imagem: Mallarmargens

O primeiro janeiro de uma nova década chega ao fim. Os compromissos e as contas já planejam um novo e inevitável retorno cíclico. As páginas da internet, os noticiários da TV, os raros jornais impressos e os inúmeros grupos de mensagem teimam em reproduzir as mesmas notícias que, verdadeiras ou falsas, cairão no esquecimento tão logo outras informações comecem a ocupar o espaço das anteriores. Parece que nada muda neste mundo tão cheio de mudanças repentinas!

Cansado de tudo isso, o leitor corre seus olhos pela estante em busca de um livro que o ajude não apenas a passar o tempo e a atravessar os momentos difíceis que rondam toda a sociedade, mas que agora parecem querer esganar até mesmo os últimos vestígios de esperança. Os títulos se multiplicam. Alguns despertam um interesse momentâneo, outros não conseguem cativar o olhar… De repente, o dedo indicador, que servia de guia e freio para a velocidade dos olhos, para e, com a ajuda de seus irmãos, puxa o pequeno volume e as mãos começam a folheá-lo. É ele!

O leitor examina a capa, a lombada, as orelhas, a textura do papel e começa e navegar pelas primeiras palavras. Inicia pelo prefácio escrito pelo poeta e compositor Celso Borges. A cabeça balança afirmativamente, concordando com os elogios feitos ao estilo do autor. É hora de iniciar a leitura propriamente dita.

Eis que, ao abrir cuidadosamente o livro, salta das páginas uma pequena e incômoda lagartixa. Ou seria uma labigó? Talvez uma troíra? Quem sabe um calango? Mas ela encara o leitor e se apresenta como uma tijubina. Ou melhor, como uma tijubina disfarçada de homem. Ou será que seria um homem-poeta travestido de tijubina? Não importa. O importante é que ela trazia consigo muitos poemas e muitas mensagens carregadas de conteúdo.

“O Homem-Tijubina & outras cipoadas entre as folhagens da malícia” (Editora Patuá, 2019, 78 páginas) é um desses livros que incomoda e chega mesmo a desesperar quem se contenta apenas em digerir “o ovo do óbvio”. Página a página, além de citar Cecília, Mallarmé, Pessoa e Verlaine, o Homem-Tijubina acaba exalando uma fragrância de Manoel de Barros misturado com Cabral e Thiago de Mello, numa mescla de saberes, sabores e odores que não tem como objetivo esconder as dores do mundo, mas sim escancarar feridas sociais abertas por anos, décadas e séculos de injustiças.

Há momentos em que essa inquieta tijubina deixa de rastejar e passa a voar nas asas das palavras e da imaginação. Ela reluta em ser apenas aquilo para qual foi programada pelos códigos genéticos e pelas convenções sociais. O homem-tijubina salta de página em página do livro e marca olhos, mãos e ouvidos do leitor como suas maliciosas cipoadas capazes de imprimir tantos outros sentidos às palavras já cansadas do uso cotidiano.

Atenta a tudo, a tijubina sabe que habita um mundo no qual “tudo o que não é espelho / é umbigo”. Em sua tijubin’alma ecoam sentimentos de revolta e gritos de uma dor ancestral que se projeta em um futuro incerto. De suas tijubinices reflexivas escorrem um “espântano de cores”. Ela sabe que sobreviverá ao caos e que suas cipoadas talvez não atinjam a todos, mas pelo menos podem alertar a alguns.

Ao final do livro, essa tijubina pensadora decide não se recolher. Ela prefere passear pelos outros livros da estante e deixar neles suas marcas. Caminha atenta pelos livros de Bandeira, Quintana, Gullar, Coralina, Poe, Benedetti, Lorca, Shakespeare, Dante, Homero, Virgílio…

E assim, essa ancestral tijubina, que foi posta no papel pelo jovem e talentoso caxiense Carvalho Junior, decide que levará seu grito silencioso para quem se dispuser a ouvi-lo. Em seu grito há as sutilezas das cores e as rudezas das dores. Tijubina está e estará, para sempre, em todos os lugares, infinitamente forte como um carvalho.

O leitor fecha o livro. Coloca-o no lugar e segue sua vida tijubinando as lições e as metáforas… O mundo é um campo minado de metáforas. Ao pisar em uma delas, certamente teremos nossa ignorância amputada para sempre.

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