sexta-feira, 29 de março de 2024

ARMADURAS MODERNAS

Publicado em 22 de dezembro de 2020, às 19:38

José Neres – Professor. Membro da AML e da Sobrames

Imagem: Portal Memória Brasileira

Ao folhear livros de História ou ao assistir a filmes sobre a Idade Média e sobre as arenas romanas, é possível que perceber que os homens que iam para as batalhas costumavam resguardar os corpos da melhor maneira possível. Armaduras, elmos, escudos, protetores de tórax e todos os apetrechos possíveis para proteger-se dos impactos com os adversários eram utilizados pelos guerreiros. A intenção maior era evitar que durante os combates os ferimentos causados pelas refregas ceifassem a vida dos lutadores. Ao mesmo tempo, toda essa proteção, juntamente com os equipamentos de ataques, era usada também para causar danos aos adversários.

Hoje, muitos séculos após as Cruzadas e as batalhas pela vida e pela honra nas arenas, o homem continua na busca de algo que possa evitar seus ferimentos, mesmo que seja à custa de sérias lesões ou até mesmo da vida de outras pessoas. As armaduras tradicionais foram abandonadas e agora fazem parte do acervo de museus ou servem como parte da indumentária de filmes de época. Em seu lugar, apareceu algo bem mais moderno que teria como principal utilidade ajudar no deslocamento de pessoas e de cargas, mas que pode servir ao mesmo tempo como instrumento de defesa e de ataque, podendo evitar que o guerreiro contemporâneo tenha seu corpo estraçalhado, mas que pode inutilizar parcial ou permanentemente alguma pessoa desavisada que tenha o azar ou a imprudência de cruzar com o proprietário dessa armadura moderna em um momento de desatenção, imperícia ou de arrogância.  Essa nova arma de combate utilizada tanto por pessoas sérias e responsáveis quanto por boçais que não dão o maior valor à vida alheia é chamada veículo motorizado, podendo atender por diversos nomes: moto, carro, caminhão, ônibus…

Os noticiários mais recentes não deixam dúvida de que a cada dia o homem vem utilizando-se do carro como uma armadura protetora e como instrumento de combate em uma guerra urbana em que quase todos saem derrotados ou pelo menos lamentando a perda de um ente querido.

Ao entrar em um carro, o cidadão comum parece ser tomando pela síndrome do Sr. Weeler, personagem criado por Walt Disney e representado pelo Pateta, que, ao ligar seu automóvel assume a postura de um monstro do trânsito, desrespeitando faixas, sinais e todas as regras da civilidade. Porém ao se ver novamente na condição de pedestre, reclama da falta de educação dos demais condutores.

Ao volante de um carro possante, o bom garoto do bairro pode ser convertido em um demônio irresponsável que faz ziguezagues, entra pela contramão, vocifera contra quem cumpre a lei. O pai de família, ao ligar o carro, às vezes se transforma em um lunático que acredita ser sua pressa maior que a dos demais e põe em risco não somente a segurança de sua família, mas também a de todos os que estão a sua volta. O homem pequenino que mal consegue sustentar o peso do próprio corpo, quando está sentado diante da direção de seu carro sente-se como um gigante de músculos de aço capaz de tirar de sua frente todos aqueles que atravancam seu caminho. A delicada mulher, de sorriso encantador de modos educados, ao soltar o freio de mão e entrar no fluxo das avenidas, ou mesmo antes disso, sente-se senhora de todos os poderes do mundo e crê que pode ganhar tempo e encurtar distâncias à custa do pavor inoculado nos olhos dos pedestres e dos demais condutores. Isso sem falar nas pessoas que jamais apresentaram uma capa de civilidade e aproveitam o carro para dar vazão a seus instintos criminosos.

Os mortais gladiadores modernos vestem a armadura de metal revestida com a blindagem da impunidade ou pelo menos usam o capacete da intolerância e do descaso e fazem de cada rua uma arena, com corpos espalhados no asfalto ou na areia. Quando têm suas armaduras amassadas, confiscadas ou destruídas, compram uma nova e continuam matando sob o manto protetor das frágeis leis.

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