Marcos Fábio Belo Matos – jornalista, professor e escritor
Os natais da minha infância tinham o som da música de Roberto Carlos. Era com essa música que minha mãe brindava a minha vó, durante muitos anos: com o LP novo do rei. E minha vó botava na vitrola e, quando a gente chegava lá, muitas vezes já abria o portão ouvindo aquela voz inconfundível naquelas canções tão melosas quanto melodiosas…
Minha avó, que a gente chamava carinhosamente de “Mãezinha”, tinha todos os discos do Roberto Carlos. E recebia um novo a cada natal. Às vezes, era minha mãe quem dava o presente; outras vezes, eram outros filhos e filhas. Mas Roberto Carlos já era o presente oficial e esperado. Era a música que iria tocar, invariavelmente, antes da distribuição dos presentes e antes de se rasgarem, a dente, as carnes dos frangos assados…
E nós, os netos, também tínhamos a tradição de, a cada ano, rever aquela coleção de grandes capas, todas elas com a cara do rei, sempre bonito e galante. Sentávamos diante da estante em que ficava a vitrola e íamos passando capa por capa. Pegávamos uma, tirávamos (às vezes, ela ainda estava no plástico, “para conservar”), abríamos uma das capas, líamos as letras, admirávamos a foto central. Era um deleite ver aquilo tudo… E aí o disco ia para a vitrola (com a permissão de Mãezinha, claro) e a voz de Roberto, de novo, a encher a sala e sair pela varanda: “Lady Laura, me leva pra casa/ Lady Laura, me conta uma história/ Lady Laura, me faça dormir/Lady Laura…”; “Seus ventos vão te perguntar em poucos anos/ pelas baleias que cruzavam oceanos/(…)”; “Amanhã de manhã/ vou pedir um café pra nós dois/ te fazer um carinho e depois/ Te envolver em meus braços/(…)”; “Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui (…)”.
Eu tenho 48 anos. E sei que, como eu, milhões e milhões de adultos foram crianças embaladas pelo mesmo som. Ou que foram envoltas pelo mesmo ritual de fim de ano. Roberto Carlos se tornou um amálgama familiar, uma espécie de elo do imaginário social. Ou uma tradição inventada, como perfeitamente escreveu Hobsbawn, pela gravadora e pala mídia que, enfim, deu certo, deu certo até hoje…
Essas lembranças me levam também à minha casa, onde minha mãe, todos os anos, arrumava a casa para receber o natal. No dia 24, lá se comemoravam: o nascimento de Jesus, o aniversário dela e o aniversário de casamento dos meus pais. Era uma festa de três motivos; era, por este motivo, uma grande festa. A festa mais esperada do ano.
Depois que crescemos, que os filhos e filhas saíram de casa, como é natural, a tradição foi ficando mais fraca, ano a ano. E, quando mamãe faleceu, em 2000, o ritual perdeu o sentido. Os natais dali para frente foram apenas a comemoração do nascimento do menino, sem outra efeméride. Deixamos de fazer as festas.
Logo depois, uns três anos depois, Mãezinha também morreu. Então, a vitrola com Roberto Carlos, no Natal, calou-se para sempre.
Uma resposta
Confesso mais que me deixei envolver – sem permissão de MARCOS – nas festas de sua família.
E até me arderam os olhos… Sem argueiro, Esfreguei com as mãos, E baixei a tampa da radiola, igualzinha