domingo, 10 de novembro de 2024

MIDRAJ MODAS

Publicado em 27 de novembro de 2020, às 14:27

Marcos Fábio Belo Matos – jornalista, professor e escritor

Imagem: Dremstime

Um dia desses, estava com a Regysane no shopping. Fomos almoçar e, enquanto esperávamos a comida, eu observei uma loja de artigos infantis na nossa frente. Era uma loja com Bambini no nome, não me lembro o nome completo. Nada de mais: tinha o que tinha toda loja que vende coisa de criança: muita cor, brinquedos nas prateleiras, roupinhas azul e rosa, etc; o básico.

Não sei por que razão, mas aquela fachada me levou direto para a minha infância, em Bacabal, ali pelos meados dos anos 1980, quando minha mãe abriu uma loja de roupas e variedades: a Midraj Modas. Midraj é Jardim ao contrário, o sobrenome da minha mãe por parte da minha avó.

A Midraj teve vida curta. Vendia pouco, o capital não era grande, a localização não era excelente e, num domingo de carnaval, ela foi arrombada e os ladrões levaram todo o estoque de roupas que mamãe tinha ido comprar em Fortaleza. Mamãe ficou muito triste e, alguns meses depois, fechou o empreendimento.

Antes da Midraj, ela já vendia roupas, que ia comprar em Fortaleza. Depois da Midraj, mamãe entrou no mercado de venda de joias. E ficou nisso por um bom tempo, até a sua morte. A atividade não deu muito certo porque, como vendia a prestação e na promissória, depois da sua morte nós, os seus herdeiros, tivemos imensa dificuldade para receber as parcelas que estavam por vencer. Muitos clientes simplesmente entenderam que, morrendo ela, morreu também a dívida deles e deixaram de pagar. Coisas do Brasil.

Mamãe foi uma mulher à frente do seu tempo. Eu era adolescente quando ela resolveu voltar a estudar e fez o ginásio (que hoje a gente chama de fundamental II), à noite, na modalidade supletivo. Lembro de ir com ela para a aula e ficar esperando, sentado na mureta do colégio ou brincando pela entrada. Lembro dela estudando para as provas em casa, depois dos afazeres domésticos. Lembro dela feliz quando terminou o ginasial.

Mamãe esperou que os filhos crescessem mais um pouco para dar a condução na sua vida que talvez ela desejasse desde muito cedo. Ela teve quatro filhos e precisava ficar em casa, porque papai trabalhava da manhã à tarde da noite numa quitanda. Mas tão logo os filhos ficaram maiores, ela iniciou sua jornada educacional-empreendedora, talvez para se sentir mais feliz e realizada.

O fracasso da Midraj Modas não foi nada comparado à simbologia da emancipação de mamãe. Que também aprendeu a dirigir já na meia idade; comprou uma casa para os filhos estudarem na capital; pegava um ônibus para ir visitar a filha e a primeira neta em outro estado, sozinha; ensinou aos filhos que o sucesso, para quem não nasceu rico, vem sempre depois de um esforço grande; deixou, quando morreu, um seguro de vida para os filhos.

Muito antes de se falar em empoderamento, mamãe já dava concretude a essa palavra, na prática, ali no caladinho das suas ações singulares. Algo que, sei hoje, ela legou às suas filhas e netas.

Uma resposta

  1. Está aí, confrade MARCOS, um testemunho-prova de que dito “empoderamento” da MULHER não se dá com, por exemplo, discursos veementes-denuncistas (contra “machismos” e cercanias aderentes…) mas pela dedicação concreta, na busca laborosa da competência, mantido compromisso existencial-humano.
    Deixe participar de seu rico e mais que valioso regozijo familial

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