Denisson Goncalves Chaves – Professor da UFMA e UNISULMA e pesquisador pelo Núcleo de Pesquisas Jurídicas de Imperatriz
Na filosofia aprende-se a diferença entre coisas objetivas e coisas subjetivas. Pode parecer a um primeiro olhar algo complexo, porém é bem simples. As coisas objetivas são aquelas que podem ser medidas, observadas, enumeradas, em outras palavras, você pode avaliar metricamente a coisa. As coisas subjetivas não podem ser enumeradas desse modo, isto porque elas dependem da apreciação do sujeito.
Um livro é uma coisa objetiva, você pode medir, pode contar as páginas, calcular o preço gasto na sua fabricação. Contudo, o conteúdo do livro pode ser do agrado de algumas pessoas e de outras não. O prazer que a leitura de um livro pode causar ou não depende de como o sujeito aprecia este objeto, logo é algo subjetivo. Entretanto, existem coisas que acreditamos que sejam subjetivas, mas não o são por inteiro. Significa que existe um aspecto objetivo naquela coisa. Uma dessas coisas é a cultura.
A cultura é uma palavra polissêmica, tendo vários significados que se alteram de acordo com o contexto. Geralmente quando se fala em cultura no senso comum refere-se a expressões artísticas, como quando dizemos que “vamos a um evento cultural”. Em outras ocasiões também remetemos à palavra cultura para indicar que alguém tem um grande cabedal de conhecimento, como quando se ouve “fulano tem cultura”. Nesses dois casos comuns, o conceito de cultura é extremamente nebuloso e abstrato e recai em um aspecto subjetivo. Ora, quem diz que tal evento é cultural e outro similar não? E quais conhecimentos podem ser qualificados como parte de uma formação cultural ou não? Não existem critérios muito confiáveis para definir isso.
O que se pode concluir é que a cultura é algo importante para nossas vidas e que estamos dispostos a lutar por ela. Ainda que não saibamos ao certo o que significa “ter cultura”. Em outras palavras: a cultura tem valor para nós. Porém, quero escapar a essa armadilha subjetivista e aqui pretendo falar sobre cultura no sentido objetivo e material. E responder, objetivamente: Qual o valor da cultura?
Primeiramente, sem pretensões de esgotar o tema, seguindo as lições de José Luiz dos Santos, no livreto O que é Cultura? (2009) duas concepções de cultura têm sido dominantes: a primeira da cultura como realidade social dentro de um espaço territorial, podendo-se falar em “cultura brasileira” ou “cultura nordestina”. A segunda concepção diz respeito a conhecimentos e crenças, que não se limitam a espaços e podem ser reproduzidos em outros locais, como a cultura de massa ou cultura científica etc.
A primeira forma de cultura é marcada pela união de características de diferenciação entre as comunidades e povos. O fato é que queremos ser diferentes e resguardar aquilo que nos traz uma identidade perante os demais. A segunda nasce também dentro de uma coletividade, mas vai além dela. Reproduz-se, especialmente por seu caráter de aprendizado.
Na vida prática, o Estado e a sociedade civil trabalham para fomentar e preservar essas duas concepções. Quando o Estado financia festas juninas, carnaval ou fomenta o artesanato local, ele está atuando diretamente na preservação da chamada cultura local. Por outro lado, quando o Estado ou associações privadas investem em escolas de músicas, teatros, convenções de livros e grupos de literatura, eles estão atuando na segunda concepção de cultura, na formação do aprendizado e florescimento do espírito humano.
E por que isso é importante? Porque a cultura local nos concede identidade social, permitindo nos situar no mundo e mantendo as tradições que compõem nosso ser. Veja bem, o simples ato de oferecer uma xícara de café a um visitante em sua casa é uma expressão de cultura. É um traço de seu modo de viver e se relacionar. Além disso, buscar ouvir música, tocar instrumentos, ler livros não é um fetiche classista, é uma necessidade humana.
Todavia, isso tem um “valor”. E não me refiro a valor no sentido de apreço espiritual. Falo de valor no sentido de dinheiro, recursos financeiros. Embora a cultura seja produzida nas relações sociais ao longo do tempo de maneira não deliberada, sua preservação custa cifras enormes para os cofres públicos.
Para entender isso de maneira simples, é preciso lembrar que os gastos públicos são programados e previamente selecionados e discutidos. Essa programação se dá por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA) que é proposta pelo Chefe do Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo. Assim, se determinado município quer investir mais em uma escola pública de teatro, o prefeito deve inserir isso na proposta da LOA e esta mesma proposta será discutida e aprovada (ou não) pela câmara dos vereadores. Somente depois desse processo é que a tão desejada escola pode ser criada.
Para exemplificar concretamente a importância de se questionar o valor da cultura trago os dados da cidade de Imperatriz. Esses dados foram coletados e analisados em parceria com a bacharela em Direito Thais Mota da Silva Miranda, no ano de 2019, e apresentados na forma de monografia, cujo título é A Cultura tem valor? Financiamento do Direito à Cultura em Imperatriz/MA.
Na citada pesquisa, identificou-se que os investimentos em cultura em Imperatriz destinam-se principalmente a dois institutos: a Fundação Cultural de Imperatriz e o Fundo Municipal de Incentivo à Cultura. O primeiro tem como função a execução de festas carnavalescas, juninas e projetos de divulgação. O segundo é um conjunto de recursos sob direção do Conselho Municipal de Cultural. Pôde-se levantar o seguintes dados:
LOA 2016:
Fundação Cultural de Imperatriz: R$ 1.922.000,0
Fundo Municipal de Imperatriz: 121.000,00.
LOA 2017:
Fundação Cultural de Imperatriz: R$ 2.158.000,00
Fundo Municipal de Imperatriz: R$ 139.000,00
LOA 2018:
Fundação Cultural de Imperatriz: R$ 3.600.000,00
Fundo Municipal de Imperatriz: R$ 216.000,00
LOA 2019:
Fundação Cultural de Imperatriz: R$ 5.508.061,00
Fundo Municipal de Imperatriz: R$ 139.000,00
Dentre os fatos que chamam atenção no trabalho de Thais Mota, estão as verbas destinadas para implantação do Museu e do Conservatório de Música de Imperatriz. O primeiro recebe verbas para sua criação de implementação desde 2016. Já o conservatório recebe verbas públicas desde de 2018, criado somente em 2020. Obras públicas que ou não foram executados ou não produziram efeitos na sociedade imperatrizense.
Esses dados não são isolados da cidade de Imperatriz. Tanto no âmbito federal, estadual e municipal tem se verificado uma prostituição dos recursos da cultura para desvio de verbas, má utilização ou mesmo inflacionar o orçamento público. Esses recursos não chamam atenção como os gastos com saúde e educação, por isso, passam desapercebidos pela fiscalização das instituições (Ministério Público e Tribunal de Contas) e pela população. É preciso olhar com mais cuidado para esses valores, pois, como nos ensina o Titãs em sua canção, “a gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte”.
Portanto, duas preocupações motivaram esse texto: reconhecer que a cultura é algo importante para nós e ter consciência de que ela tem valor. Seja um valor subjetivo de composição de nossa humanidade e identidade social, seja um valor econômico, em cifras. É ingênuo acreditar que o objetivo e o subjetivo estão totalmente separados.
Não só de dinheiro vive a cultura, mas ela precisa de verbas para seu florescimento. Aliás, pelo visto não tanto de verbas, mas sim de organização financeira e transparência. Nota-se uma abundância de recursos e escassez de outros tipos de culturas: da transparência, da fiscalização e da valorização do homem.
2 respostas
Maravilha. Parabéns.
O texto fala de desvio de verba sem nenhuma comprovação, abundância de recurso, como? A cultura sempre foi o primo pobre da educação, apesar de ter a mesma importância na formação do cidadão.
Eu diria que o governo Assis teve quatro secretários e nenhum projeto pra cultura de Imperatriz, nesse caso nao é privilégio dele, os secretários normalmente tem a função de não incomodar o rei, que produz seus gastos com grandes atrações e escorrega a conta através da Fundação Cultural.
O Ministério Público e o Tribunal de Contas são órgãos fiscalizadores, mas faz parte da cultura brasileira, sabe-se do roubo agora quem roubou é subjetivo. Z T