João Marcos – escritor e estudante de jornalismo
A infância é, sem sombra de dúvidas, a fase mais importante da vida de um ser humano. O mundo aparentemente tem uma tonalidade diferente do real e o tempo passa em um ritmo mais lento. Nessa fase também nos são apresentados os contos de fadas. Você gostando ou não, alguma vez na vida já ouviu esses nomes: Cinderela, Patinho Feio, Branca de Neve ou Alice no País das Maravilhas. O que estas histórias têm em comum é que são geralmente direcionadas para o público infantil. Porém, acredito que a fantasia e a imaginação são inerentes à idade ou fase da vida e são, sem sombra de dúvidas, uma parte importante também na vida adulta.
Talvez o maior defensor dessa ideia seja J.R.R. Tolkien, autor de “O Hobbit”, “O Senhor dos Anéis” e outros muitos livros sobre a Terra-Média, que dissertou sobre contos de fadas em seu ensaio intitulado “Sobre Estórias de Fadas”, publicando em 1964. Nele, Tolkien faz uma busca para definir o que são esses contos, suas origens e a recepção deles tanto para as crianças quanto para os adultos. Para ele, essas histórias fantásticas não poderiam ser apenas associadas ao público infantil.
Aqui, chegamos a afirmações comuns, como: não tenho idade para consumir esse tipo de conteúdo ou simplesmente “é coisa de criança” ou “tudo isso é mentira”. O exercício da imaginação, por vezes, é difícil para uma vida turbinada de muitas informações e estímulos. São muitas telas, muitas mensagens e dados sendo jogados nas nossas mentes a cada momento. Mas, Tolkien deixa claro no seu ensaio, que “a fantasia é uma atividade natural humana. Ela certamente não destrói ou mesmo insulta a Razão; […] Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara a razão, melhor a fantasia será.”
Pensar a fantasia como algo que faz parte de nossas vidas não é negar o real, mas sim atribuir a ele outro significado. Compartilho a ideia de que tudo o que fazemos requer sim um pouco de imaginação, seja uma legenda autoral no Instagram ou escrever um livro, claro que são atividades muito distintas, mas com isso quero mostrar que a criatividade não fica perdida na infância, porém, se remodela no decorrer dos anos.
Outro escritor que também falou sobre isso foi C.S.Lewis, um grande amante da mitologia e dos contos de fadas e autor de “As Crônicas de Nárnia”. Em sua biografia, ele falou um pouco sobre a sua infância e que junto com o seu irmão, criavam histórias e isso se perpetuou durante os anos que se seguiram. A imagem do fauno caminhando na neve próximo ao lampião, referência mais comum do imaginário de Nárnia, surgiu quando ele tinha 16 anos de idade, mas que somente com 40 anos colocou a história no papel.
Lewis faz uma outra abordagem sobre a literatura infantil, para ele, os contos de fadas, muitas das vezes, são a melhor maneira de falar aquilo que deve ser dito. Assim, muito se aprende por meio das metáforas, sendo elas de forma proposital ou não e levando para um lado mais prático, aprendemos muito mais um conteúdo, uma fórmula ou algo que precisa ser lembrado com muitos detalhes, quando é contado de forma alegórica. Os mitos antigos são assim, os filmes, as séries, todas representam a vida de uma forma, seja ela por uma camada mais superficial, com elementos fantásticos bem demarcados, seja pela própria história que se passa no mundo “real”.
É sabido que boa parte das histórias de fadas hoje contadas para crianças foram adaptações de histórias catalogadas da tradição oral, reunidas no livro “Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos” dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm (1812-1815), ou seja, são narrativas primeiramente direcionadas para o público adulto. Vale lembrar também toda a tradição folclórica brasileira, com suas lendas e fábulas ricas presentes em cada estado do Brasil, como bem registrou em seus livros o pesquisador Luís Câmara Cascudo. Isso só mostra o quanto que a fantasia se entrelaça nas novas vidas, independente de idade ou condição social.
Por fim, cabe dizer que as histórias de fadas, independente da época ou por quem foram escritas ou contadas, são acessíveis a todos. A imaginação não diminui a razão e utilizar tais narrativas como forma de escape, além de não ser nada vergonhoso, nos ajuda a entender um pouco mais de nós mesmos, pois tais narrativas, de alguma forma, contam também um pouco da nossa história. Valorizar e apreciar a fantasia é voltar ao estado primordial do ser humano, que é o de contador de histórias, pois como bem disse C.S. Lewis: “Um dia você será velho o bastante para voltar a ler contos de fadas. ”
Referências
TOLKIEN, J.R.R. Árvore e Folha. Rio de Janeiro: Harper Collins Brasil, 2020.
LEWIS, C.S. Sobre Histórias. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.
LEWIS, C.S. Surpreendido pela Alegria. São Paulo: Mundo Cristão, 1998.