domingo, 1 de dezembro de 2024

A TEIA POÉTICA DE LÚCIA SANTOS

Publicado em 29 de setembro de 2020, às 18:25
Foto: site Quatetê

José Neres – Professor, membro da AML e da Sobrames-MA.

A Poesia é uma ave alucinada que luta dia e noite pela liberdade, que se esforça para ser vista em todos os lugares, em todos os momentos, independentemente de formas, de espaço físico ou de status social.  Mas algumas pessoas insistem em pensar que a Poesia só possa existir encarcerada nos versos de um poema.

É no poema, mas não apenas nele, que a Poesia se materializa. Mas ela não é tão elitista assim e pode aparecer também no sorriso de uma criança, na troca de olhares de um casal apaixonado, no último segundo de luz do ocaso, no suave balançar dos galhos de uma árvore ou no pranto enrugado de um idoso solitário a pensar em seu glorioso passado. Em todos os lugares está a Poesia. Tudo pode ser Poesia, dependendo de quem capta os mais singelos detalhes da vida para transformá-los em arte.

Algumas pessoas têm o dom de pôr no papel esses flashes da vida e de traduzir a poesia da Vida em forma de poemas. É esse o caso da escritora maranhense Lúcia Santos, autora de vários livros, entre eles: “Quase azul quanto blue” (1992), “Batom Vermelho” (1998) e “Uma Gueixa pra Bashô” (2007) e “Nu frontal com tarja” (2016), além de inúmeras participações em antologias poéticas.    

Dona de um estilo sintético e agudo, Lúcia Santos compõe seus textos com a maestria de quem tece uma infinita teia de palavras com inúmeros nós que se misturam e se multiplicam formando não um vácuo, mas possivelmente um breve vazio existencial. Suas temáticas tratam basicamente da essência humana, das dores e dos momentos de transição por que todas as pessoas passam em determinados momentos da vida. Contudo, mesmo tratando de assuntos que, nas mãos de um escritor inexperiente, descambariam invariavelmente para um mero lacrimejar de palavras, Lúcia Santos não abre espaço para o pieguismo simplista e sentimentalóide. Ela demonstra ao longo de suas obras que é possível tecer linhas de emoção usando a perspicácia, a inteligência e a razão, mas sem perder o senso poético e o bom gosto estilístico.

Ler os poemas de Lúcia Santos é também entrar em contato com uma tessitura poética que mescla uma consciência intertextual, sutis jogos de palavras, experiências de vida e um emaranhado de argumentos, raciocínio e dúvidas que convergem invariavelmente para um mergulho do eu-lírico rumo a uma busca de autoconhecimento sem precisar recorrer a uma fuga para um reino de fadas, bruxas ou serafins. Em boa parte dos poemas o leitor tem a abstração lírica combatida duramente pela acidez irônica de uma visão crítica que quase sempre quebra as expectativas. É o que acontece, por exemplo, no poema “Abstração”, no qual a lembrança do enleio amoroso é atravessada por uma revoada de urubus.

Outro ponto importante da teia poética minuciosamente arquitetada pela escritora arariense é sua facilidade em tratar de assuntos que ficam no meio termo entre sensualidade e erotismo, entre tentação e desejo, entre amor e ódio. Sem cair na banalidade ou no mau gosto, Lúcia Santos trabalha vários matizes da essência da Mulher. As vozes femininas que se apresentam nos poemas não representam o simplismo de uma visão maniqueísta de uma sociedade pretensamente falocrática. De um poema para outro ou, às vezes, no próprio poema, a meiguice inicial transforma-se em desejo ardente, em voluptuosidade ou em desafio. A mulher deixa de ser apenas caça, mas também se faz caça quando quer e assume a aura de caçadora quando lhe convém.

Consciente de que o poema não precisa de muitas palavras para mostrar sua poesia, Lúcia Santos é econômica em palavras, porém essa visível economia vocabular esconde uma infinita riqueza de imagens poéticas. São tantas as imagens, que o leitor menos experiente nas lides poéticas pode facilmente perder-se nas muitas armadilhas, verdadeiras teias de palavras e de silêncios que dizem muito mais do que os olhos humanos podem alcançar.

Você pode ler poemas de Lúcia Santos no site Quatetê:
https://quatete.wordpress.com/2020/03/01/4-poemas-de-lucia-santos/

2 respostas

  1. Texto esclarecedor e informativo.
    Alguns poetas, como F Gullar e Quintana, pareciam não gostar de definições de poesia. Acho que preferiam que ela voasse livre pelos céus de nossas imaginações.

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