quinta-feira, 28 de março de 2024

PARA QUÊ E A QUEM SERVEM OS MUNICÍPIOS?

Publicado em 26 de setembro de 2020, às 8:02
Imagem: Wikipedia

Denisson Goncalves ChavesProfessor da UFMA e UNISULMA e pesquisador pelo Núcleo de Pesquisas Jurídicas de Imperatriz

O Direito é a luta entre “as coisas como elas são” (ser) e “como as coisas deveriam ser” (dever). É na lacuna entre esses horizontes que o Direito e a Justiça devem penetrar. Os municípios brasileiros estão nessa lacuna, alvo de críticas tanto pela sua ineficácia administrativa quanto por propiciar locais de corrupção. Faz-se necessário pensar mais sobre essa entidade federativa no federalismo brasileiro e, acima disso, nas relações sociais cotidianas.

 A nossa atual Constituição foi inovadora, ao elevar o município como entidade federativa. Isso significa em termos claros que o município, a partir de 1988, passou a ter autonomia. Autonomia significa a capacidade de guiar-se por suas próprias normas. Todavia não está restrito a isso, o município também tem autonomia financeira (ter seus próprios recursos e cobrar tributos próprios), autonomia política (eleger seus próprios representantes do Legislativo e Executivo) e autonomia administrativa (ter seus próprios órgãos públicos e prestar serviços específicos). Antes de 1988, os municípios eram totalmente dependentes dos estados-membros e da União.

            Alguns juristas ainda relutam em considerar o município como entidade federativa, talvez por certo conservadorismo “genealógico”. Explico: a teoria do federalismo é de origem norte-americana, em sua gênese, o federalismo era composto apenas de estados-membros e União. O município é uma criação do Brasil, uma espécie de “federalismo à brasileira”. Aqueles que acreditam que a realidade deve seguir a teoria não gostaram muito dessa inovação.

Mas o município existe e é reconhecido pela Constituição em seu art. 18. Negá-lo é uma espécie de esquizofrenia jurídica. As críticas mais severas ao município não decorrem de sua existência, mas de sua função. Afinal: qual a função do município e ele consegue ou não cumpri-la?

O objetivo do município foi de aproximar a população da Administração Pública, isso em decorrência do vasto território nacional, além da variedade de circunstâncias sociais no Brasil. Por esse motivo, a própria Constituição assevera que cabe ao município a defesa de “interesses locais” (art. 30, I, CF). São exemplos de interesses locais: horário de funcionamento de comércio, serviços funerários, coleta de lixo e cobrança e isenção de impostos municipais, como impostos sobre serviços e IPTU.

Ocorre que, no cotidiano das cidades brasileiras, verificam-se dois problemas latentes na gestão municipal: desorganização administrativo-financeira e corrupção.

O primeiro é constatado pelo fato de que grande parte das cidades no Brasil não têm autonomia financeira, dependendo dos recursos transferidos pelos estados e União. Não tem um sistema de cobrança tributária atualizado, mesmo porque isso afasta eleitores, além de secretarias sem delimitação de competências claras, propiciando desvios de recursos.

O segundo problema decorre diretamente do primeiro. Na criação do município como entidade federativa, tinha-se a pretensão de que a população estivesse mais próxima do Poder Público, tanto para dialogar políticas públicas quanto para cobrar. Mas o que se vê é que as salas de audiências públicas estão vazias e a fiscalização fica quase que exclusivamente na responsabilidade do Ministério Público.

Criticar a Constituição ou o federalismo brasileiro em decorrência do município é descabido. O município é uma instituição formal, ou seja, ele tem a forma, quem dá o conteúdo são as forças políticas: os agentes estatais e a sociedade civil. Os primeiros estão mais preocupados na manutenção de poder e domínio, como alerta Victor Nunes Leal em “Coronelismo, Enxada e Voto” (1948). O segundo está preso em um conformismo apático e nas práticas de comercialização da cidadania (venda de votos, negociação de cargos públicos etc) como afirma amargamente Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” (1936).

Talvez a pergunta não seja se os municípios cumprem suas funções no Estado Democrático de Direito, mas sim: os cidadãos estão cumprindo suas funções municipais ditadas pela Constituição? Afinal, “as coisas só são como devem ser”, quando se muda “as coisas como elas são”.

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