terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Conviver pode ser junto

Publicado em 10 de setembro de 2020, às 16:59

Marcos Fábio Belo Matos – jornalista, professor e escritor.

Foto: portal Contábeis.

Os linguistas discordam em muitas coisas, mas tem um ponto que todos apoiam: a língua é viva. É viva e não está nos dicionários nem nas gramáticas, está no meio da rua, está na praia, nos parques, nos pátios das escolas (mais no pátio que, na verdade, dentro da sala de aula), nas portas dos banheiros públicos. A língua está na boca do povo. Lembram da poesia “Pronominais”, de Oswald de Andrade? “Dá-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/Dizem todos os dias/ Deixa disso camarada/ Me dá um cigarro.” Pois é…

E são as movimentações da vida que vão empurrando a porta das gramáticas e dicionários e mudando o que parece que, de uma forma ou de outra, não se encaixa. É por isso que existem, por exemplo, os neologismos e os arcaísmos. É por isso que a mesóclise foi relegada a políticos empoeirados e a convites de casamento.

Digo isso a propósito de uma regrinha da gramática, relativa aos vícios de linguagem, que fala dos pleonasmos viciosos. E aí, num dos muitos exemplos deste tipo de pleonasmo (inserir dentro, subir pra cima, descer pra baixo, duas metades iguais etc etc etc), existe o exemplo: conviver junto. E aí a gramática explica: “conviver é ‘viver com’, portanto, estar junto de…”.

Mas isso era para tempos pré-midiatização, para tempos pré-internet e redes sociais, para tempos pré-corona vírus. Hoje em dia, é perfeitamente possível conviver sem estar junto. E, em alguns casos, é até aconselhável.

Veja o caso das matérias de jornal que anunciam que, na China, depois da primeira onda de isolamento social, o número de divórcios subiu. Veja o caso de um humorista global que disse, no programa “Conversa com Bial”: “eu amo minha mulher, mas se eu conviver mais com ela eu vou me separar…”. Veja todos os memes que abordam, de forma irônica/icônica, o desespero dos pais por terem que conviver o dia todo com crianças e adolescentes (e estes com seus pais, claro).

O mundo pós-moderno nos legou o contexto de podermos viver juntos não estando juntos. E o que a pandemia nos mostrou é que, quando somos obrigados a “conviver junto” com quem vivemos, essa convivência pode ser prejudicial.

Há também os casos que vão no sentido contrário e esses também estão registrados em bilhões de páginas de notícias e de redes sociais. São aqueles exemplos de gente que, por qualquer razão (casamento, nascimento, conveniência), convivia com outras pessoas mas não as conhecia. Ou seja: não “convivia junto”. É o caso dos casais que casam e, tão logo chegam da lua de mel, já se metem cada um na sua rotina e só têm um tempo para estar no mesmo espaço nos finais de semana (ou nem isso). Então, a pandemia lhes trouxe a experiência para uma convivência full time – e isso se demonstrou uma experiência maravilhosa.

Os dois exemplos servem para confirmar a regra: a língua é viva e não dá para achar que, por exemplo, um sentido (ou uma regra) valha para sempre, como as frases do Velho Testamento cunhadas por Deus na pedra e entregues a Moisés. Então, conviver pode ser junto, pouco junto, muito junto ou até separado, no melhor modelo que lhes aprouver.  Porque o importante não é o espaço, e sim o laço…

Uma resposta

  1. TEXTO ATUAL, INFORMATIVO E OPORTUNO. UMA “SURRA” NOS GRAMATIQUEIROS DE PLANTÃO, PARA QUEM USAR O BOM VERNÁCULO SIGNIFICA O ENGESSAMENTO DOS FATOS DA LÍNGUA.
    EU APLAUDO MARCOS FÁBIO!

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