José Neres – Professor, membro da AML e da Sobrames-MA.
O papel da mulher
na poesia
é ofício
A4
almaço
vergê.
(Epigrama – Luciana Martins)
Em tempos não tão remotos assim, o único papel que a mulher poderia exercer no mundo das letras era o de musa inspiradora. As que ousavam criar obras literárias eram geralmente vistas com reticências pela sociedade historicamente falocrata.
Mesmo na Grécia Antiga, considerada o berço da democracia, poucas mulheres adentraram no mundo da escrita e aquelas que ousavam inverter essa aparente lógica eram descriminadas e vistas com desconfiança. Isso acabava retraindo bastante as possíveis escritoras, que, como forma de evitar maiores constrangimentos, não publicavam seus textos, ou então usavam pseudônimos. Uma feliz exceção a essa regra foi Safo, a poetisa que tinha como temas principais o amor e a beleza, mas de quem, dos nove livros que enfeixavam seus poemas, restam apenas poucos fragmentos e nem todos traduzidos para o português.
Na Idade média, a mulher começa a receber homenagens em forma de poemas. As cantigas de amor mostram o homem em situação de vassalagem em relação à mulher. Ele se mostrava como um ser inferior, indigno até mesmo do olhar de sua dama, mas que não se cansava de admirá-la e de render-lhe homenagens. Por outro lado, as cantigas de amigo trazem a voz da mulher à procura da volta do amado que partiu para a guerra. Ironicamente, as cantigas de amigo são bem mais simples e repetitivas que as de amor, é como se fosse um aviso machista dos trovadores, deixando claro nas letras que a mulher não tinha capacidade de fazer (ou de entender) um texto mais elaborado, por isso a simplicidade estilística é a marca mais evidente dos poemas medievais que têm uma mulher como eu-lírico.
Depois de muito limitadas à condição de personagem ou de leitura, as mulheres, principalmente a partir do século XIX, começaram a mostrar para o mundo seu trabalho intelectual. Não foram poucas as que tiveram novamente que recorrer ao velho recurso do pseudônimo masculino, a fim de uma melhor aceitação. Algumas escritoras conquistaram seus espaços e hoje são citadas como exemplo de estilo e de competência no uso da palavra escrita. É o caso de, por exemplo: Mary Shelley (Frankstein), Emily Brönte (O Morro dos Ventos Uivantes), Florbela Espanca (Livro de Mágoas), Marguerite Duras (O Amante), Isabel Allende (A Casa dos espíritos), Marguerite Youcenar (Obra em Negro) e Patrícia Highsmith (Ripley Debaixo D’água). Isso sem contar o sucesso mercadológico de Agatha Christie, a rainha do romance policial.
No caso do Brasil, embora os livros didáticos de literatura insistam em destacar as produções artísticas de nossos valorosos escritores do sexo masculino, muitas são as mulheres que ocupam lugar de destaque na poesia e na prosa. Não é possível falar-se na história da Literatura Brasileira sem que ao menos sejam citados nomes como Cecília Meireles, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Adélia Prado, Nélida Piñón, Ana Maria Machado, Cora Coralina, Lygia Bojunga Nunes e Ana Cristina César. Também em termos de crítica literária, temos destaques como Lúcia Miguel Pereira, Dirce Cortes Riedel, Nelly Novaes Coelho, Flora Sussekind, Luíza Lobo e Leyla Perrone-Moisés, professoras de altíssimo conhecimento humanístico que apresentam aos leitores novas visões a respeito da produção literária de seus contemporâneos e/ou das letras clássicas.
Restringindo um pouco mais o campo de estudo, temos, no Maranhão, também uma farta galeria de talentos femininos, a começar pela matriarca de nossas letras, Maria Firmina dos Reis, provavelmente a primeira escritora brasileira a publicar um romance de própria autoria. Mas a autora de Úrsula é apenas o ponto inicial de uma excelente linhagem de escritoras maranhenses, dentre as quais podemos destacar Laura Rosa, Arlete Nogueira da Cruz, Lucy Teixeira, Conceição Aboud Neves, Mariana Luz, Dagmar Desterro, Lúcia Santos, Laura Amélia Damous, Ceres Costa Fernandes, Linda Barros, Lorena Silva, Samira Fonseca, Déa Alhadeff, Jaqueline Morais, Sharlene Serra, Ana Luíza Ferro, Silvana Menezes, Wanda Cristina, Cleo Rolim, Talita Guimarães, Laura Neres, Mariana Montelo, Anna Elizandra, Luíza Cantanhêde, Mônica Moreira Lima, Lucia Santos, Geane Fiddan, Ahtange Ferreira, Sônia Almeida, Eliane Morais e tantas outras escritoras que têm deixado suas marcas em nossas letras.
Felizmente, o vácuo que havia entre a literatura feita por homens e a feita por mulheres está deixando de existir. Aos poucos, leitores e críticos se conscientizam de que o mais importante no jogo artístico não é o sexo do escritor, mas sim a capacidade criativa e o poder de inovação. Dentro em pouco, talvez, não falemos mais de textos masculinos ou de textos femininos, mas apenas em literatura… de bom nível.
2 respostas
Nosso querido Professor, Dr. Neres, sempre surpreendente !
Tanto Orgulho de sempre aprender com você.
Que maravilhoso passeio pela história da produção literária de mulheres. Sinto-me honrada em ser citada no meio de nomes tão relevantes. Salve, José Neres, por esta visão.