quinta-feira, 25 de abril de 2024

Os escritores da internet

Publicado em 1 de setembro de 2020, às 11:31

A boa relação entre literatura e internet serve como porta para escritores, seja um iniciante ou um veterano.

Gabriel Neres – jornalista

Foto: internet.

O leitor de ontem é o autor de hoje. Essa frase pode resumir bem a democratização que a internet proporcionou desde que surgiu e se popularizou nas casas das pessoas. Quem antes era apenas consumidor de jornais, livros, noticiários e filmes, hoje produz seu próprio conteúdo e os lança na internet.

Os primeiros blogs são os grandes responsáveis por isso. Por volta de 1997, eles foram surgindo como diários virtuais. O dono do blog publicava fotos, relatava viagens e seu próprio cotidiano. Rapidamente a ferramenta se popularizou, se modernizou, evoluiu e hoje, qualquer jornalista, crítico de cinema, autores literários ou apenas uma pessoa comum que quer postar uma notícia, suas impressões sobre um filme ou publicar um poema, crônica, conto, o que for. A internet democratizou.

Também há sites voltados para a escrita. Um dos precursores nesse estilo é o extinto Clara Online.

Félix Alberto Lima é jornalista e era um dos responsáveis pelo site. Ele possui uma empresa de assessoria de comunicação, que atualmente também é de publicidade, chamada Clara Comunicação. No início dos anos 2000, quando ainda era assessoria, a empresa contava com muitos jornalistas e alguns deles com viés literário. “Fernando Abreu, Reinaldo Barros, Cassiano Viana, Andréa Oliveira, Joaquim Haickel e Celso Borges, entre outros, embora alguns não tenham trabalhado lá, mas foram colaboradores e como tínhamos esse cenário muito fecundo de produção literária eu decidi criar um site chamado Clara Online”, contou Félix.

 “Criamos esse site para que fosse uma coluna de autores, cada um escrevia uma crônica, poesia e tal e isso tudo foi muito legal, porque esse site teve muita visita e muita repercussão”. Graças a essa repercussão, um passo a mais foi dado e então surgiu “As melhores crônicas do Clara Online”, livro que reúne as cinco melhores crônicas de cada autor escolhidas por eles próprios. “Fizemos o lançamento de As melhores crônicas do Clara Online, na época foi lá no quintal da praia de São Marcos. Foi um super lançamento lá, eu nunca vi tanta gente em um lançamento de livro como naquele dia”, disse Félix.

Com o tempo o site foi extinto e a empresa passou por uma transformação necessária: se voltou para a área de publicidade. Para Félix, o lançamento do site e do livro foi marcante para a comunicação online. “Foi uma experiência muito rica e valorosa, dali a gente tirou proveito e cada um depois seguiu seu caminho. Acho que ficou esse marco naquela época, dessa transição ali. A gente estava, na verdade, engatinhando nessa coisa da comunicação online”, comentou.

Muitos sites surgiram no decorrer dos anos, além de inúmeras novas formas de criar um blog. Estes sites viram um gênero surgir e se popularizar na internet: A fanfiction.

Significando literalmente ‘ficção de fã’, a fanfic é uma escrita de fã sem fins lucrativos sobre determinada obra existente, pegando situações que o autor original não fez e imaginando como seria. Por exemplo, muitos fãs de Harry Potter gostam de imaginar como seria um livro focado nos filhos dos personagens principais. Outro exemplo é a criação de casais não oficiais da obra, como Hermione Granger e Draco Malfoy. Os crossovers, encontros entre diferentes obras – tipo Harry Potter e Percy Jackson – também são comuns.

O termo surgiu graças às fanzines, estilo de revista sobre ficção científica editada por fãs do gênero, lá na década de 1960 e se tornou popular em 1998 com o surgimento de um dos primeiros sites voltados para fanfictions, o Fanfiction.net. Alguns escritores famosos começaram no gênero. O britânico Neil Gaiman, autor de Deuses Americanos, declarou no Twitter que já ganhou um concurso escrevendo Sherlock Holmes e H.P. Lovecraft. Outro famoso exemplo é a autora E. L. James, de Cinquenta Tons de Cinza, cuja inspiração maior vem da saga Crepúsculo – até mesmo os protagonistas do livro erótico eram inicialmente chamados de Bella e Edward.

Há quem considere William Shakespeare um escritor de fanfiction, já que sua obra mais famosa, Romeu e Julieta, se baseia em um poema do século XVI chamado The tragical history of Romeo and Juliet, de Arthur Brooke. Entretanto, pode-se considerar mais como uma adaptação do poema do que uma fanfiction.

Muitos jovens começaram a escrever ficção de fã e publicaram na internet, seja por diversão ou por desejo de ver algo diferente com os personagens favoritos. Rafael Santos é um desses jovens. Com 15 anos e no segundo ano do ensino médio, Rafael escreve desde 2015 e tem um gosto bem variado para a leitura, gostando de terror, ficção científica, drama, aventura e ação, mas foi motivado pelo seu gosto de super-heróis que ele escreve o gênero.

“Eu sempre fui uma criança que gostava muito de super-heróis. Batman, Mulher-Maravilha, Wolverine, mas meu favorito sempre foi e sempre será o Homem-Aranha, por isso mesmo as histórias que eu mais gosto de escrever são sobre super-heróis, e principalmente do Homem-Aranha ou relacionado a ele”. Entretanto, o rapaz sente receio de compartilhar com a família ou com amigos da ‘vida real’ as suas histórias. “Ninguém sabe que eu escrevo fanfictions, exceto os amigos virtuais que tenho, e espero que não descubram tão cedo”. Ele já foi tímido, mas garante que não é a timidez que o impede de compartilhar, inclusive considerando-se no meio termo entre pessoas super tímidas e pessoas super extrovertidas. “Eu não tenho problema nenhum em falar na frente de um monte de gente, mas eu tenho um problema depois, porque eu fico com a cara vermelha sem saber o que fazer”.

Sobre a ambição em ser um autor maior, ficar além da internet e publicar livros, Rafael não planeja se tornar um escritor famoso, apenas lançar as histórias que quer contar. “Com isso acho que ganharam os escritores mais novos, os que estão chegando aí. Essa é uma ferramenta que eles se sentem muito mais à vontade até com o livro, pois eles sabem que no universo deles é muito mais fácil compartilhar via digital do que convencer um amigo a comprar um livro, a entrar numa livraria pra comprar um livro. Então tem esses caminhos aí que eu acho bem interessante, acho que tem o seu papel aí”, comentou Félix sobre a internet e os jovens.

Uma outra jovem escritora é Lorena Silva. De 26 anos, é recém-formada em Letras com habilitação para inglês e português, inclusive já ministrando aulas de inglês para crianças. Rodeada de livros e influenciada pelos pais, Lorena sempre viu prazer na leitura e não uma obrigação.

“Eu sempre gostei muito de ler, desde a escola. E a escrita, acho que veio como consequência disso, eu acho que quando a gente lê muita ficção, literatura, chega a um ponto que começamos a querer fazer as nossas próprias histórias, a gente quer começar a escrever as histórias que a gente nunca leu, então a imaginação começa a aflorar nesse sentido e acho que comecei a escrever justamente porque eu lia muito”, afirmou.

Lia de tudo, desde os pequenos paradidáticos a autores clássicos da literatura, como José de Alencar, Luís Fernando Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, entre outros. “Comecei a ler Harry Potter aos 13 anos, mais ou menos, e eu gostava tanto da história que quis escrever versões daquela mesma história, mas situações que eu queria ver os meus personagens preferidos [passarem] e que a autora original não tinha feito, então eu comecei a criar essas pequenas histórias sem saber que eram fanfics na época”. Apesar de não ter lançado todos os textos na internet, essa prática em fanfics fez Lorena lançar seu primeiro romance em 2014, intitulado La Lune.

“La Lune foi meu primeiro romance, minha primeira história original com começo, meio e fim. E é uma história que eu estou aprendendo muito com ela, ter publicado essa história, ter levado essa história para outras pessoas, ter tornado pública. Me deu uma experiência muito boa e só tem me feito crescer, eu tenho buscado cada vez mais melhorar a minha escrita, estudo muito sobre a escrita, leio muito sobre escrita, os meus autores preferidos. Eu sempre estou querendo saber mais, sempre estou querendo melhorar a maneira como escrevo”, disse.

Para Félix, alguns autores nascem com o dom de escrever, mas a prática leva ao aperfeiçoamento até para esses dotados. Um blog, um portal ou um site é a melhor maneira de se aprimorar. “Essa coisa de você já nascer com o dom de escritor, tá, tem uns que já nasceram com isso, mas outros, eles também vão construindo ao longo da caminhada”, avaliou.

“A questão da qualidade, você ainda vai apurando e com o tempo você vai afinando mais, lapidando, então isso é o tempo que vai melhorando. Se você tem essa capacidade muito mais fácil de experimentar, é claro que futuramente você vai ter um texto mais lapidado, vai cada vez mais lendo e aprimorando sua escritura. Acho que é um fator bastante positivo”, comentou.

Com o aprimoramento, Lorena se viu apta a reeditar La Lune e planejar duas continuações, sendo que a terceira parte já está em processo de escrita. Além disso, Lorena se aventura por outros gêneros literários. “Estou me aventurando pelos contos, inclusive agora eu comecei a postar uma série de microcontos, que são contos bem curtinhos de 2 ou 3 parágrafos. Bem curtinhos mesmo, que falam de assuntos do cotidiano, tem um pouco cara de crônica, mas eu estou testando isso”, disse.

Ela também comentou que se aventurou na poesia, mas não se encaixou por achar que a prosa é o seu caminho. E continua escrevendo fanfics até hoje. “Ainda escrevo fanfics de Harry Potter e de uma série [literária] americana chamada Anita Blake – A caçadora de vampiros, que é uma série sobrenatural bem longeva, que ainda não tem tradução oficial brasileira, então eu leio diretamente em inglês e tenho um grupo de amigos que gosta e então de vez em quando escrevo fanfics voltadas para eles, porque eles me pedem pra escrever. Ainda é uma coisa que eu gosto muito de fazer como hobby mesmo”.

E trabalhar com a escrita mudou como Lorena vê algumas coisas, como ela pensa mais nos detalhes extras. “Eu gosto de conversar com as pessoas, de conhecer as histórias delas e como isso vai enriquecendo a maneira como que a gente enxerga o mundo depois que a gente passa a tecer histórias. Você passa a prestar mais atenção nas coisas ao seu redor, os detalhes, e pensa ‘Poxa, o que será que tem por trás disso? Qual a história escrita por trás disso?’. Desde que eu realmente comecei a levar a sério isso, muita coisa mudou na minha percepção, sobre a própria vida, sobre as coisas que eu faço. Enfim, eu me tornei uma pessoa bem mais reflexiva”, finalizou.

O lado bom dessa democratização é que tem muito conteúdo para procurar, ler, pesquisar e se aprofundar. O lado ruim é que o conteúdo rapidamente fica ultrapassado, como bem disse Félix. “Hoje as pessoas têm dificuldade na leitura, porque o acesso à informação pelas redes sociais é muito breve, a linguagem tem que ser rápida aí você tem que fazer uma coisa muito rápida e muito em cima das atualidades e são atualidades realmente passageiras. E o que hoje é atual, daqui a pouco não é mais. O que é agora, o que estamos discutindo aqui, atualidade, daqui a duas horas não vai ser mais”, concluiu.

A internet é uma grande porta para escrever, para compartilhar sua própria produção com outras pessoas, para experimentar, evoluir e conhecer novas formas de leitura. Cabe às pessoas saberem escolher aquilo que for bom e interessante e aos produtores fazerem o possível para melhorar seu conteúdo.

(Texto escrito para uma atividade do curso de Jornalismo no Centro Universitário Estácio de São Luís.)

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